A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

  • Sim, sim! Por favor. Eu poderia... – Parecia não saber bem o quê, mas isso
    durou só alguns segundos. – Se você quiser – ele enfim propôs –, eu poderia tirar o
    cascalho da calçada, cuidar do jardim. Tenho certeza de que você anda muito
    ocupada. Eu me lembro de como era a minha vida quando tinha a sua idade. A
    gente não para nem um minuto, sempre tentando conciliar a família com a carreira.
    Não estou certo?

  • Talvez – limitou-se a dizer Eva.

  • Tenho pensado muito nisso. É que Deus organizou tudo muito mal. – O
    homem deu uma gargalhada.
    Foi uma risada falsa. De repente, ficou nervoso; tinha se dado conta de que Eva o
    calava. Não se tratava de prestar ajuda a ela; os vizinhos é que não aguentavam mais
    que a casa de Eva estivesse um nojo.

  • Deus deveria ter organizado as coisas de modo que não se pudesse ter filhos até
    a carreira estar bem encaminhada, você não acha?

  • Vai ter que me desculpar. Tive um dia muito cheio.

  • Bem, ficamos assim, então – disse o homem, e tentou outro sorriso.


Eva abriu a porta, deixou a bolsa na entrada e respirou fundo.


  • Eu não me encaixo aqui, Martin – disse. – Não sozinha, não sem você. Juntos,
    talvez estivéssemos rindo. Mas...
    Calou-se, de súbito consciente de que estava falando sozinha, como alguma velha
    maluca. “Este lugar me deixa doida.” Ter reconhecido isso foi talvez o que a levou a
    descer direto para o porão, porque precisava sair dali, teria que tornar a tirar as
    caixas da mudança, colocá-las na rua, chamar uma empresa de mudanças ou,
    melhor ainda, tocar fogo em toda aquela droga. “Nesta casa, é só desgraça e
    sofrimento”, pensou. “Que o mato e os dentes-de-leão fiquem no meu lugar. Flor e
    grama não conhecem a dor nem a solidão da gente.”

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