Acendeu a luz da escada. Havia poeira no ar. As caixas com livros e roupas de
inverno se amontoavam. O que ela fora fazer ali? Não tinha descido para se mudar,
nem para dar mais tesouradas no uniforme de gala de Martin, como fizera numa
noite em que estava realmente furiosa, semanas depois da morte dele (o uniforme,
todo destruído, estava agora pendurado num cabide). Não. Não tinha descido ao
porão para dar uma olhada no uniforme. Descera atrás de uma coisa que tinha a ver
com a faculdade de jornalismo, uma coisa que tinham aprendido naquela época,
coisa que Rico sabia fazer muito bem. Eva se lembrava de que Rico tinha se
encantado com aquele jornalista veterano e estourado, o mesmo que Eva detestou
desde o primeiro dia, mas de quem, não obstante, tomou notas. Disso tinha certeza.
Primeira caixa: vestidos de verão. Segunda caixa: roupa de inverno. Patins, calças de
esquiar, lembranças dos Alpes e seus crepes e chocolate quente. Lá estava – uma
caixa, só uma; pelo visto, quatro anos de curso não haviam dado para mais que isso.
Abriu e encontrou os velhos livros universitários: Retórica aplicada, Escreva para ser
ouvido, Teoria social. Não era o que estava procurando. Três pastas de anotações.
Virou as páginas até achar. “Jornalismo investigativo”, tinha escrito na parte
superior da folha. Eva leu:
Nunca serei uma jornalista como você. É um coroa amargurado e estourado. Sentiu necessidade de me
humilhar quando entrei na sala de aula. Fiquei vermelha, e você viu, e continuou a me dar bronca. “Menina
bonita”, foi disso que me chamou, aquela que não precisa aprender direito a profissão. Você é um bosta, um
malvado, um complexado. Desconta sua raiva nos outros. Diz que é preciso “matar os desgraçados”. Dividiu
o mundo em bons e maus, e, nesse seu mundo, você é o único bom. Os outros são ou ignorantes que só
pensam em si mesmos, ou maus, MAUS MESMO, que também estão dispostos, mais até que os ignorantes, a
mentir e roubar para ficar com tudo.
Viu Lauritsen por uma das janelas do porão. Já estava mergulhado no trabalho de
tirar o cascalho. Eva ouvia o raspar estridente da pá ao recolher as pedrinhas, que
Lauritsen ia amontoando num carrinho. O bassê estava amarrado a um braço do
carrinho e esperava sentado, paciente. Depois Lauritsen foi para casa, empurrando