e já precisava encarar problema, pensou Eva. Levantou os olhos para o letreiro
acima da entrada – “O POMAR DAS MACIEIRAS”, escrito em letras de traço infantil e em
todas as cores imagináveis. Não havia dúvida: tinha chegado ao lugar certo. Ao
lugar para onde o departamento de emprego a tinha mandado. Ao lugar onde podia
começar como ajudante de cozinha, trinta horas por semana, com salário
subvencionado pelo Estado; ou, então, ser apagada do sistema público e deixar-se
afundar no abismo social como uma pedra na água. Mas não era hora de pensar
nisso. Precisava seguir em frente, como tinha combinado com a psicóloga. Deixar
de pensar em Martin, na casa, na mesquinha mãe de Martin. Pensar no que tinha
pela frente. Aquele era o primeiro dia do resto de sua vida. A psicóloga, paga
também pelo Estado, tinha explicado de maneira muito simples: “Quando a gente
cai num poço, não adianta nada ficar pensando em tudo o que nos levou a cair lá”.
Tratava-se de primeiro sair do poço e – só depois de estar do lado de fora, não antes
- então começar a pensar nas razões que levaram a cair lá. Precisava investir todos
os seus recursos na sobrevivência. “Para a frente.” Olhou outra vez para o letreiro.
O Pomar das Macieiras. Isso era ir para a frente. A única coisa que precisava fazer
era passar pelo cão de rinha.- Vamos lá, Eva – disse a si mesma em voz alta. – Primeiro um pé, depois o outro.
O bicho continuava sem dar pela presença de Eva; olhava fixamente para a frente,
imóvel, como uma esfinge.
“Acima de tudo, não mostre que está com medo.”
Quando passou ao lado do cão, ele deu um grunhido, profundo, mas quase
imperceptível. Eva tentou a porta. Estava fechada à chave. Na parede, havia uma
fechadura eletrônica com senha. Pelo vidro, viu funcionários e crianças no
corredor. Deu uma última olhada em seu reflexo no vidro, antes de bater à porta.
Quando era mais nova e saía para a balada, diziam com certa frequência que se
parecia com Meg Ryan. Especialmente os olhos e a boca. Agora ninguém mais dizia
isso, talvez porque também Meg Ryan tinha envelhecido e já não se parecia consigo
- Vamos lá, Eva – disse a si mesma em voz alta. – Primeiro um pé, depois o outro.