Distrito de Nørrebro, Copenhague – 5h40
A bala. Marcus a lavou na torneira de água quente. Ouvia David na sala contígua.
David estava com a respiração pesada, como um touro já gravemente ferido antes
que o matador lhe dê a última estocada. David não sobreviveria ao que estavam
fazendo, pensou Marcus. Talvez sobrevivesse fisicamente, mas sua alma estava em
frangalhos. Marcus havia horas se ocupava unicamente em tranquilizar o amigo.
Olhou-se no espelho. Sentia alguma coisa? Fazia quase dez horas que tinha
segurado a cabeça do jornalista no chão, com um travesseiro por baixo, e o havia
executado. David tinha vomitado no banheiro daquele apartamento. Durante
alguns minutos, tudo fora um caos terrível; mas depois tinham achado o iPhone, e
David voltou a enxergar as coisas. Talvez saíssem incólumes daquilo. Marcus olhou
para a bala. Tinha atravessado o osso frontal do jornalista, depois a massa
encefálica, e saíra pelo osso occipital; a almofada havia amortecido a velocidade da
bala, que acabou no chão de madeira. Não era o que se via pelo estado do projétil; a
bala estava quase intacta. Os fabricantes conseguiam fazê-las incrivelmente sólidas
- elas atravessavam concreto e metal, areia e pedra, sendo capazes de trespassar
quatro homens adultos como se eles fossem bidimensionais, meros alvos de
papelão.
David estava na sala, inclinado sobre sua flor do deserto, que acabava de regar.
Havia gotas de água no parapeito. Marcus estivera presente no dia em que David
ficou com esse pedacinho da flora de Helmand. A menina da aldeia a tinha