Eva já se dispunha a parar no acostamento para lhes dar um pouco mais de
vantagem quando o Mercedes resolveu pegar outro desvio. Eva viu as duas torres, a
imagem quase icônica da Catedral de Roskilde. Avançaram paralelamente ao
calçadão e acabaram numa feirinha. As pessoas se apinhavam junto às barracas, que
vendiam peixe, temperos, livros, roupas de segunda mão. Havia um museu à direita.
Tornaram a dobrar à direita. Paralelepípedos substituíram o asfalto, e o carro
começou a vibrar de leve. Casas amarelas com paredes de vigas cruzadas
contribuíam para acentuar a impressão que Eva tinha de viajar no tempo, para
épocas passadas em que o rei era soberano, quando Deus e o monarca eram a
mesma coisa. Quantos anos teria a Catedral de Roskilde? Eva não tinha certeza,
mas parecia lembrar ter ouvido que a igreja original havia sido construída ali fazia
mais de um milênio. Reis e rainhas estavam enterrados lá dentro; era até onde
chegava o conhecimento de Eva. O mais antigo era o rei viking Haroldo Dente-
Azul, cujos restos mortais descansavam no templo. Parecia ser também o caso de
Sueno I e de quase toda a lista de monarcas dinamarqueses até os tempos
modernos, inclusive Frederico IX, o pai da atual soberana. Quando chegasse a hora,
também enterrariam lá a rainha Margarida? “Provavelmente”, pensou Eva.
A bandeira dinamarquesa pendia debilmente a meio mastro. Havia uma longa
fila de carros estacionados. Eva contou mais de vinte e cinco, todos de alto padrão,
quase iguais, indistinguíveis, como numa reunião de cúpula da política
internacional. Parou o Mazda a certa distância. Começou a sair gente dos carros.
Homens de blazer preto iam ao encontro dessas pessoas. Todas, sem exceção,
ostentavam aquele olhar aflito que só se vê em funeral, quando ninguém parece
olhar para os outros, quando os olhos sempre buscam o chão. Teria sido assim
também no funeral de Martin? Provavelmente. Mas Eva não tinha se dado conta.
Sentira-se vazia, como se apenas o corpo dela estivesse presente, porque o resto
descansava no caixão, junto a Martin. Olhou para as mãos dos homens. Procurava o
curativo, mas não achou.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1