- Estou deixando um mundo que foi ficando absurdamente mais idiota do que
quando me puseram nele, muitos anos atrás. Durante toda esta minha vida de
merda, lutei pelo contrário, pela informação, pela verdade. Nesse sentido, não
tenho medo de afirmar que a minha vida foi um fracasso, que vou morrer um
infeliz. A luta foi em vão; os poderes que tive que enfrentar, muito superiores. Os
poderes... – repetiu, e acrescentou: – Essa imbecilização.
A enfermeira, sorridente, enfiou a cabeça pela porta. - Querem tomar alguma coisa? Café? Talvez uma coisa doce?
Eva e Lagerkvist responderam ao mesmo tempo. Ela disse sim, e ele disse não. - Vou entender isso como um sim – disse a enfermeira, e foi embora.
O jornalista tornou a olhar pela janela, para o mundo que tinha se imbecilizado
tanto desde que Lagerkvist viera para ele. - Já ouviu falar de Dennis Potter? É o autor de The Singing Detective. Um
dramaturgo inglês, um dos grandes. Faz uns anos, pouco antes de morrer, ele foi
entrevistado pelo Canal 4. Estava lá sentado com um coquetel de morfina na mão e
câncer no corpo todo. Sabe como Potter chamava o tumor dele?
Eva não disse nada. - Rupert, por causa de Rupert Murdoch. – Lagerkvist emitiu um ruído que
talvez fosse uma gargalhada. – Potter viu, antes de todo mundo, que a mídia tinha
degenerado por completo, até virar biscate. E, no mundo de Potter, Murdoch era o
símbolo da morte do jornalismo. Já eu simplesmente não consigo achar nome para
dar ao meu tumor. Você tem alguma sugestão?
Eva não disse nada. - É bem aqui. – Ele bateu num ponto do abdômen. – Começou aqui, no
pâncreas, seja lá onde isso for. Depois se espalhou, é claro, do mesmo jeito que a
burrice, uma queimada ou... – De repente, lembrou-se de Eva. – O que você está
fazendo aqui? Veio me entrevistar? Pois pode esquecer.
Eva hesitou. Será que tinha ido lá para conseguir a formação profissional que
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1