Abrigo de mulheres – 23h59
Havia alguém no quarto. Percebeu isso ainda meio adormecida, afastou o
edredom e tateou até achar o interruptor. Acendeu a luz. Estava sozinha.
Que esquisito! Teria jurado que um homem estava inclinado sobre ela. Aquele
dos belos olhos, em quem tanto teria gostado de poder acreditar quando lhe dissera
que a esperavam papéis melhores, o protagonismo de uma bela vida.
Soergueu-se na cama. Prestou atenção. O abrigo estava saturado de ruídos
noturnos; precisava acostumar-se com isso. Algumas mulheres choravam quando se
apagavam as luzes; era coisa muito natural, porque a situação delas era
desesperadora. Fugiam de homens que queriam matá-las. “Deveria ser o contrário”,
pensou. “Deveria haver abrigos para homens, casas enormes, gigantescas, com
milhares de marmanjos que fugiam de mulheres que queriam matá-los.” Eva
acendeu um cigarro e abriu a janela. Tragou profundamente, quanto mais não fosse
para encurtar a vida desgraçada que levava. Recordou-se de seu perseguidor; voltou
a pensar nele. Na noite em que foi atropelado. Na noite em que ele poderia ter
atirado nela com facilidade. Por que não o fez? Eva corria pelo meio da rua. Ela
olhou para trás; viu o semblante do homem no instante em que ele soube que seria
atropelado. Como se fosse um menininho, Marcus olhou desamparadamente para
Eva. Ele talvez estivesse morto agora. Mas Eva sabia que havia outros – o homem
que tinha pedido que fosse embora da catedral, o outro que tinha estado em sua
casa. Os tubarões.