A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

inclinado para a frente. “De novo como um soldado”, pensou Marcus. Com
certeza, David conseguiria que não o vissem. Marcus é que fora visto, que fora
surpreendido por um velho. Olhou para a trilha. O velho já estava muito longe.
Será que estava catando cogumelos? Em todo caso, o velho não desconfiava de
nada. Havia visto Marcus, sim, mas não tinha como saber de nada do que
acontecera na mata do parque aquela manhã. Só que logo se inteiraria: o velho,
como todo mundo mais, ficaria sabendo do corpo quando o encontrassem. E aí
falaria, e isso poria Marcus a perder. Por isso, o velho era um inimigo não muito
diferente de todos os inimigos numa guerra. Afinal, a gente não tinha nada de
pessoal contra o indivíduo que por acaso estava perto do depósito de munição que
era preciso bombardear; mas, se não se lançam bombas, perde-se a guerra, e a vida, e
tudo mais pelo que se luta.
Marcus correu atrás dele. O velho tinha saído da trilha e se dirigia para os chalés
brancos do distrito de Klampenborg. Agora Marcus o via melhor. A luz do sol o
pegava em cheio. Era calvo; apenas uma fina capa de cabelo grisalho cobria em
semicírculo a parte inferior do cocuruto. Marcus esperou um pouco. Era
importante que o velho não tornasse a vê-lo. Da próxima vez que o fizesse, seria no
instante imediatamente anterior à morte. Uma pena. Marcus estava convencido de
que o velho era um dos “seus”. Sabia pelos sapatos, pelo jeito de andar, pela aliança
de ouro, pelo velho Mercedes na garagem da casa onde estava entrando naquele
momento. Sim, era até possível que fosse advogado, alguém que bem sabe o preço
que temos de pagar pela sociedade em que vivemos.
Marcus se deteve a certa distância, de maneira que não o vissem das janelas do
chalé. Haveria mais alguém em casa? Isso não facilitaria as coisas, é claro. Por um
instante, considerou a possibilidade de falar com ele, explicar a gravidade da
situação, o que tinha acontecido na floresta aquela manhã e por quê. Explicar que o
que estava em jogo era, essencialmente, o modo como nós, os dinamarqueses,
havíamos nos organizado. Não se tratava de dinheiro nem de ganância; tratava-se

Free download pdf