A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

ainda ouvia a mãe ler em voz alta, mas parecia já estar quase dormindo. Eva leu uma
coisinha aqui, outra ali. Leu que os arquipélagos escoceses das Órcadas e das


Shetlands ainda pertenceriam à Dinamarca não fosse o rei Cristiano I, que em 1468
e 1469 empenhou as ilhas em pagamento do dote da filha. E que a princesa Tira,
filha de Cristiano IX e da rainha Luísa, teve uma filha ilegítima com um oficial do
Exército e, pouco depois, o rei ordenou que o militar se matasse.
Havia mais episódios, um monte de escândalos ligados diretamente à Casa Real
dinamarquesa; histórias que muito pouca gente conhecia e que, como um fio
sombrio, se desenrolavam paralelamente à versão da Casa Real centrada em belos
vestidos e amplos sorrisos. “O lado obscuro da Casa Real”, pensou Eva. Por que as
pessoas não se interessavam por isso? Quantas sabiam que Cristiano IX – que era
alemão – por muito pouco não tinha vendido a Dinamarca à Confederação
Germânica? Ou que um sem-número de lunáticos tinha ocupado o trono da
Dinamarca ao longo da história?
Todo mundo já tinha ouvido falar da doença mental de Cristiano VII. Mas será
que todo mundo sabia que Frederico VII era alcoólatra e mitomaníaco, tendo ficado
a vida toda às voltas com embustes que contava sobre suas supostas façanhas?
Quem sabia que Frederico V era um sádico total, que, entre outras coisas,
costumava açoitar as amantes até fazê-las sangrar? Para nem falarmos da mentira de
que a dinastia vinha desde os vikings até a atualidade, ininterruptamente. Por
exemplo, no caso de Frederico VII, que não teve filhos, foi preciso desencavar um
parente distante na Alemanha e nomeá-lo rei da Dinamarca.
Eva se levantou e se voltou. Sentia o início de uma ligeira dor de cabeça. Estava
lendo fazia mais de uma hora. O garotinho tinha ido para casa e fora substituído
por uma menina mais ou menos da mesma idade, que estava montando um quebra-
cabeça com o pai. Eva entrou no banheiro da biblioteca e, antes de sair, bebeu água
da torneira. Pensou na Casa Real como instituição. Pensou na história. Uma
monarquia milenar. Despotismo. Qual a diferença? Execução de contestadores,

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