ouvidos moucos se alguém lhes contasse a verdade. Cobririam os olhos se alguém
tentasse mostrar os fatos.
A estátua equestre no centro da praça parecia exercer forte atração. Todos se
dirigiam para o bronze setecentista de Frederico V a cavalo. Um escultor francês
tinha levado vinte anos para concluir a estátua, que custou quinhentos mil táleres
de prata, um presente do povo ao rei, segundo se dizia.
Contudo, agora Eva sabia, aquilo não era verdade. Assim como em relação a
todos os outros supostos presentes do povo, alguns poucos ricos é que haviam
contribuído com dinheiro para a realeza, porque em troca ganhavam lugar à mesa
dos poderosos. Empresários dispostos a pagar para obterem algum benefício, para
se sentarem junto de algum ministro chinês do Comércio. A Lego, por exemplo,
colocava o jatinho da empresa à disposição da família real. E isso não tinha preço.
Os filhos dos príncipes, em qualquer situação imaginável, tinham uma peça de Lego
na mão. O que é que Lagerkvist tinha dito mesmo? Aquilo que na Itália chamam de
Máfia, o que o resto do mundo chama de corrupção, chamamos de Casa Real aqui
na Dinamarca. “Não”, pensou Eva. “Na Dinamarca, chamamos a corrupção de
‘presentes do povo’.”
Deu uma olhada geral na praça. Era como se todas as creches do país tivessem
vindo para o aniversário, mas Eva não via Malte em parte alguma. Tentou avançar.
O rufar dos tambores se misturava com os passos de Eva. Policiais redirigiam parte
da multidão para um lado, e havia turistas que não queriam ou não conseguiam
entender o que fazer. Em algum lugar atrás de Eva, crianças berravam; e em outro,
perto do palácio da rainha, à esquerda de Eva, um comandante começava a dar
ordens. Mais música, agora vinda de outro ponto. Um rapaz tentava subir na
estátua equestre para tirar selfies, mas um policial o obrigou a descer na mesma
hora. Lá! Lá estava Kamilla, do outro lado da estátua. Segurava pela mão uma
criança da creche. “Um dos pequenos”, pensou Eva, como Anna tinha insistido em
que os chamasse. E logo os grandes sairiam à sacada do palácio. Sim, pessoas
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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