A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

  • Você está tirando uma com a minha cara?

  • Não. A própria rainha contou isso várias vezes. As três meninas se metiam
    naquele quartinho escuro e observavam de lá o rei e a rainha. As crianças nunca
    comparecem aos jantares. Os príncipes só passaram a comer com os pais quando já
    tinham seis anos. E, mesmo assim, só uma vez por semana.

  • Você acha que o Malte estava lá, atrás desse vidro?

  • É possível; eu diria até provável. Afinal, as crianças adoram brincar ali.

  • Mas por que a mãe não chamou a polícia? Era o irmão dela.

  • A gente fica de boca fechada. É como nos Hells Angels. A gente é da mesma
    gangue e acoberta os outros. Se você soubesse as coisas que eu presenciei lá, na
    minha época...

  • O quê?

  • Ninguém acreditaria em mim. Eu poderia escrever dez crônicas ou centenas de
    cartas aos jornais, mas ninguém publicaria. Você tem noção do que os príncipes
    tiveram que aguentar quando eram pequenos? Imagine uma infância em que você
    precisa combinar data para ver o seu pai, ainda que ele esteja sentado no cômodo ao
    lado, sem nada para fazer, de saco cheio. Uma infância em que você nunca come
    com os pais porque, para eles, você é só um estorvo. Agressões físicas... O príncipe
    herdeiro já insinuou isso várias vezes, e só me resta confirmar e dizer: podem
    multiplicar por dez o que ele diz.

  • Mas por que a mãe do Malte não fez nada?

  • E pedir ajuda a quem? Ia sair correndo para a rua com os dois principezinhos
    no colo? Ia chamar a polícia?
    Eva ficou observando a velha senhora, que continuou falando de todas as coisas
    horríveis que tinha visto. E Eva pensou em Malte, no menino pequeno que tinha
    levado um susto de morte, encolhido no canto de onde presenciou um crime. Ou
    em pé atrás de um espelho.

  • Pois é – Eva ouviu a si mesma dizer a Rigmor.

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