A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

ela do modo mais servil. Escreveria sobre os políticos e os editores-chefes, que não
estavam nem aí, só ligavam para a própria carreira, a própria fama. Escreveria sobre
uma sociedade que apenas se preocupava com a verdade quando esta convinha ao...
Engasgou. Raiva. Engasgou com a raiva que sentia, a sensação de impotência, a
vontade de mudar, de gritar tudo o que não se podia dizer. Mas era uma verdade
que alguém estava disposto a ouvir? Não, a julgar pelas pessoas com quem tinha
deparado ao longo daquele seu percurso. Recordou a conversa no hospital de
Hellerup, as palavras do jornalista moribundo sobre a imbecilização que, agora,
devastava o mundo como um incêndio florestal. Recordou a certeza de Claudia e
de Tine Pihl de que ninguém queria ouvir a verdade sobre o modus operandi das
monarquias europeias. E pensou no porquê de as coisas serem assim. Por quê? A
melhor resposta lhe ocorreu quando abriu a porta do abrigo de mulheres e sentiu o
cansaço se apoderar dela. Essa resposta era muito simples. Ninguém estava disposto
a ouvir a verdade porque ela era chata, porque era problemática como só podia ser a
realidade, com todas as suas arestas, as suas armadilhas e os seus becos sem saída, e
por isso optávamos todos pela solução mais fácil – criávamos outra realidade, uma
realidade maravilhosa e simples. Do mesmo jeito que no Facebook. Só que, em vez
de mentirmos que adorávamos pãozinho integral ou que corríamos tantos e tantos
quilômetros pela manhã, ficávamos com a ideia de uma monarquia feliz, de uma
sociedade em que não existe corrupção nem abuso de poder.


Ouvia-se música na cozinha. Talvez africana; em todo caso, “étnica”, com ritmos
de tambor e flautas. Vozes, mulheres que riam. Eva só queria dormir, descansar a
cabeça, refletir sobre o que sabia de um crime cometido no coração da monarquia
dinamarquesa; mas, quando passou pela porta da cozinha, alguém a chamou. Uma
voz conhecida, a de Alicia.



  • Oi, Eva! – disse, e acenou.

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