H. C. Andersens Boulevard, Copenhague – 23h05
O varal no sótão do prédio, o cheiro de lava-roupa. Cheiro de lar, de mãe, da mãe
de qualquer um, alguma mãe melhor que a de Marcus. Deixando para trás os
lençóis e as capas de edredom, ele procurou uma saída, um alçapão no teto. Ali! Era
- melhor ainda – uma porta. Fechadura antiga, que implorava chave, mas ganhou
foi pontapé. O batente se desprendeu da porta com tanta facilidade que parecia
estar esperando aquele momento havia dois séculos. Marcus saiu para o telhado e
então precisou esperar um instante até que seus olhos se acostumassem à escuridão.
O ar estava frio ali em cima. Moveu-se com passos cautelosos. O abrigo Danner
estava lá embaixo, e Marcus o via perfeitamente. O belo pátio era parcialmente
iluminado pela luz das janelas. Não tinha ouvido em algum lugar que o Danner
também dispunha de escola? Marcus parecia lembrar-se de alguma coisa assim.
Uma sociedade completa em miniatura. Sem homens. Nenhum Trane, nenhum
dos tão temidos homens. Checou no celular as imagens de vigilância das outras
câmeras. E aí lhe aconteceu algo que ele mesmo nunca tinha experimentado. Tinha
visto aquilo, é verdade, no olhar dos homens que liderara em combate. Tinha visto
sumir-se deles a esperança. A esperança de saírem vivos. Ou a esperança de um
mundo melhor. E agora aquilo acontecia também com ele. A esperança de Marcus
morreu quando viu no iPhone que uma das câmeras tinha parado de funcionar,
aquela que montou em frente ao abrigo da Jagtvej. A tela ficou preta. “Não vou
conseguir cumprir o prometido”, pensou. “Não tenho como salvá-la. Ela vai