A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

Jagtvej, distrito de Nørrebro, Copenhague – 0h40


Foi embora do mesmo jeito que quando tinha chegado – ninguém prestou
atenção nele. E por que prestariam? Sirenes, choro, todos já tinham o bastante com
que se preocupar. Ninguém via os ferimentos profundos que ele tinha no abdômen,
o sangue que brotava das entranhas de Marcus. Ninguém mais sentia a dor, só ele,
que estava ferido, que logo morreria. Mas, antes de tudo, era preciso sair dali. Isso
era o mais importante. Estar sozinho. Marcus pensou nos ferimentos profundos de
arma branca. Como os de uma baioneta. É, era assim que imaginava as coisas
naquele momento. Era assim que via a si mesmo. Como um soldado mortalmente
ferido. Durante a Primeira Guerra Mundial, por exemplo. Sempre tinha admirado
os soldados da Primeira Guerra. Admirado a valentia, a morte deles. Aquela guerra
tinha sido especial. A mais heroica e a mais estúpida. Evocou as imagens. Os
soldados chegando a pé, puxados pelas mãos, com os olhos vendados. Cegados pelo
gás mostarda e pelo vapor mortal de gás clorídrico, avançavam aos tropeções pelo
campo de batalha, abrindo caminho entre os escombros de uma Europa em ruínas,
do continente que tinha se proposto abolir a monarquia e que de repente viu os
povos se aniquilarem mutuamente. Do continente que viu os cadáveres de dez
milhões de soldados; só em Verdun, um quarto de milhão. É, agora os enxergava
com toda a clareza. Via como caminhavam para as trincheiras, único lugar onde
estavam protegidos das balas. Para se sentarem com as costas apoiadas contra a lama
das paredes. Sem nenhum outro lugar aonde ir. Olhares vazios. O sangue das

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