Você SA - Edição 255 (2019-08)

(Antfer) #1

conversamos sobre nossa rotina e
mandamos uma para a outra nossa
localização. Funciona como uma
rede de proteção”, afirma.
Para os gigantes de tecnologia de-
tentores desses aplicativos, Renata
e os outros motoristas são trabalha-
dores autônomos, que não possuem
vínculo empregatício. Além de não
estarem sujeitos a nenhuma regula-
mentação e proteção legal, os profis-
sionais que desenvolvem esse tipo de
trabalho deixam de contribuir para
a Previdência e de possuir benefí-
cios como FGTS, férias ou décimo
terceiro e arcam com todo o custo
da atividade que exercem. Segundo
Trebor Scholz, professor na The New
School, em Nova York, e autor do li-
vro Uberworked and Underpaid
(“Uberexplorados e sub-remunera-
dos”, numa tradução livre), esses tra-
balhos, embora sejam considerados
ocupações fáceis e com alto grau de
flexibilidade, escondem problemas
que não são nítidos. “As tarefas da
economia dos bicos são muitas vezes
curtas, temporárias, precárias e im-
previsíveis, e há pouca esperança de
progresso na carreira”, afirma.
Motoristas ouvidos pela reportagem
de VOCÊ S/A, aliás, afirmam sofrer
com problemas de coluna e pressão
psicológica pelo estresse no trânsito,
além das longas jornadas de trabalho.
Por esses motivos, as empresas da
chamada Gig Economy estão no cen-
tro de uma discussão mundial sobre a
responsabilidade dessas companhias
milionárias sobre as condições de
trabalho da mão de obra que contra-
tam. No dia 8 de maio de 2019, por
exemplo, motoristas da Uber fizeram
uma paralisação em cidades no mun-
do todo, demandando direitos como
maior garantia de segurança pela
companhia e diminuição da taxa de
corrida que é descontada pela corpo-
ração. “Como podemos falar em ‘com-
partilhamento’ ou ‘inovação’ quando
um terceiro monetiza sobre todas as


66 wAGOSTO DE 2019 wVOCÊ S/A


MERCADO

suas interações para o benefício de
um pequeno grupo de acionistas?”,
questiona Trebor Scholz em seu livro.
No Brasil, o autônomo dessas plata-
formas não possui direito trabalhista
definido. Embora algumas decisões
da Justiça do Trabalho tenham de-
terminado que há vínculo emprega-
tício entre motoristas e empresas de
aplicativos de serviços, outras vão no
caminho oposto. “A tecnologia está
levantando questões jurídicas que o
direito ainda não está pronto para
responder”, diz o advogado Renato
Lang. Renan Kalil, procurador do
Ministério Público do Trabalho, com-
pleta: “Como o Tribunal Superior do
Trabalho ainda não julgou nenhum
caso sobre os direitos trabalhistas
desses profissionais, não há uma de-
cisão final sobre o reconhecimento
ou não desse vínculo”. No meio do
limbo jurídico, quem sofre são os tra-
balhadores dessas plataformas, que
ficam duplamente desprotegidos —
pelas empresas e pelo Estado.

Tendência para o futuro?
Segundo especialistas, se por um
lado a informalidade tende a cair
com a retomada da economia e a
criação de postos de trabalho for-
mais, por outro a nova economia
criada pelos aplicativos de serviços
veio para ficar. A questão, segundo
eles, é a pressão cada vez maior por
uma legislação que regulamente essa
atividade. “É impossível manter uma
jornada de 10 horas por dia ao longo
de dez a 20 anos. Chegará uma hora
em que será preciso criar parâmetros
legais”, afirma Ruy Braga, da USP.
Mas se engana quem acredita que
os prejuízos da informalidade este-
jam restritos aos trabalhadores. Se-
gundo economistas, a dinâmica do
PIB, um dos termômetros do cresci-
mento da economia, está mais ligada
à população ocupada no trabalho for-
mal do que no informal. Isso acontece
porque entre os informais o rendi-

1
SEM PERDER DE VISTA
O consultor financeiro Mauro
Calil orienta ao trabalhador
informal que evite parcelar as
compras no cartão de crédito
e opte por pagar as despesas
à vista para não se enrolar.

2
DENTRO DA LEI
Para o planejador financeiro
José Raymundo de Faria Júnior,
todo trabalhador autônomo
deve contribuir para o INSS,
segundo a lei. Ele afirma que a
Receita Federal está fiscalizando
com mais intensidade quem
sonega esse imposto e indica a
categoria de Microempreendedor
Individual (MEI) como a mais
barata para o informal.

3
RESERVA DE EMERGÊNCIA
Embora difícil em contextos em
que o dinheiro não está sobrando,
Mauro Calil orienta ao trabalhador
que tente economizar o equivalente
a de seis a 12 meses de despesas
para situações inesperadas. “Isso
vai proporcionar tranquilidade. Se
houver algum empecilho de saúde,
por exemplo, o indivíduo terá um
período para se recuperar”, diz.

De olho


no bolso
Como se organizar
financeiramente
para enfrentar a
informalidade

ILUSTRAÇÃO: KEVIN O’KEEFE
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