Isso acontece porque Lacan promoveu uniões entre diferentes
áreas do saber décadas antes dessa prática ser considerada uma
das maiores características dos novos tempos.
Ganhador do prêmio Jabuti, premiação mais tradicional da
literatura brasileira, e professor do departamento de psicologia
da Universidade de São Paulo, Cristhian Dunker explica como
o psicanalista traçou, ainda no século passado, um movimen-
to essencial para o mundo pós-moderno. “Lacan acabou se
transformando em uma espécie de modelo, não só por suas
posições e teses, mas pela maneira como ele conseguiu atrair
e repensar núcleos muito distantes, pensando em uma questão
disciplinar do saber”, afirma o docente. Em sua obra, Lacan
misturou a poesia surrealista com antropologia, a psicanálise de
Freud com a antiguidade clássica de Platão e Aristóteles, Picasso
com Descartes, Kant e Hegel. Além do método estrutural com
a linguística e a estética. Tudo isso carregado de uma “profunda
reflexão ética e política”, conforme caracteriza Dunker.
Com um ambiente menos hierarquizado, dominado pela internet,
com a facilitação do compartilhamento de ideias e informações, o
novo século é tomado, justamente, por uma exposição e troca ágil
entre as diferentes formas de saber. Tal cenário revela como Lacan
foi um pensador à frente de seu tempo. De acordo com Dunker, o
psicanalista antecipou essas ideias. “A gente precisa de uma reflexão
ética que seja renovada, ao horizonte da nossa época. Lacan oferece
isso, bem ou mal. Você pode não concordar, mas o que realmente
importa é saber qual programa é esse? É o programa que a gente
precisa para o século 21”, acrescentou.Biografia
Oriundo de uma família católica burguesa, de origem pro-
vinciana e fabricante de vinagres de Orléans, Lacan viveu sua
infância em um ambiente que não lhe agradava. Enquanto seu
pai trabalhava intensamente como representante comercial da
fábrica, sua mãe era mais intelectual e muito religiosa. Apesar
da demanda de trabalho, seu pai era extremamente atencioso e
carinhoso – muito embora tenha adotado uma postura diferente
quando retornou das batalhas da Primeira Guerra Mundial.
Enquanto se encantava com conceitos filosóficos da época,
Jacques viu sua mãe e seu pai decepcionados com suas posi-
ções a respeito do catolicismo e sua opção pela ciência, e não
pelos negócios da família. Assim, uma de suas tias percebeu
sua facilidade e disposição para a intelectualidade e investiu em
seus conhecimentos. Ao entrar para a faculdade de medicina,
especializou-se em psiquiatria, mas sem deixar de lado os estu-
dos literários e conceituais que o aproximaram dos surrealistas.
Não contente com os rumos da psicanálise pós-Freud, resolveu
promover uma releitura do austríaco.Imagens: Reprodução e R.Tsubin/GettyImages