nev e Zinoviev. Mesmo assim, os dois últimos ficaram
contra a posição de Lênin, que os acusou de “fura-greve”
e “traidores da Revolução” e pediu ao comitê a expulsão
de ambos do partido. Kamenev decidiu, então, renun-
ciar à sua liderança, sendo defendido por Stalin. Quan-
do a renúncia foi aceita, o futuro ditador resolveu tam-
bém sair. Mas sua renúncia não foi aceita pelo comitê.
Enquanto bolcheviques se preparavam para o levan-
te, o governo tentava manter sua parca autoridade, mas
a Rússia já não mais era comandada pelo Governo Pro-
visório. Tanto que, na noite de 24 de outubro, quando
o governo ocupou as instalações da gráfica do partido
bolchevique, uma delegação de tipógrafos solicitou ao
Comitê Militar Revolucionário que enviasse tropas para
garantir o funcionamento do local. Dali partiu o levante.
A briga teve início na gráfica e, rapidamente, tomou esta-
ções, ferrovias e pontos estratégicos da cidade.
As tropas comandadas por Trotski tomaram a ca-
pital sem dar um tiro sequer. Hobsbawm lembra que
“mais que tomado, o poder foi colhido”, já que, diz-se,
mais gente se feriu nas filmagens de “Outubro”, filme de
Eisenstein realizado em 1927 sobre a tomada do Palá-
cio de Inverno, do que na tomada de fato do palácio em
- Deutscher escreveu: “O Governo Provisório esta-
va politicamente tão isolado e os sublevados gozavam de
apoio tão esmagador que, com um leve empurrão, tira-
ram o governo de cena”.
GOLPE OU REVOLUÇÃO?
A historiografia passou a estudar qual a natureza
desse evento de outubro na Rússia: golpe ou revolu-
ção? Alguns contrários aos bolcheviques afirmam ter
sido um golpe de Estado. Já os “de esquerda” e a histo-
riografia que prevaleceu consideram a insurreição como
de fato uma revolução.
Daniel Aarão Reis Filho, em seu livro “As Revo-
luções Russas e o Socialismo Soviético”, ajuda a cla-
rear a questão. “Um golpe? Formalmente, sem dúvida.
A insurreição desdobrou-se como uma operação mi-
litar, sem prévia autorização do governo legal, sem se-
quer das organizações soviéticas. A autoridade que a
desencadeou foi o comitê militar do Soviete de Petro-
grado, com anuência e sob liderança de seu presidente,
Trotski. Não haviam recebido delegação, nem autori-
zação, de nenhuma instância soviética para fazê-lo. Na
verdade, a ordem tinha vindo do comitê central do par-
tido bolchevique”, escreveu ele.
Ao mesmo tempo, lembra o autor, a insurreição foi
submetida ao congresso dos sovietes no dia seguinte e
foi aprovada por larga maioria. Na verdade, Daniel Aa-
rão enxerga nos eventos de outubro de 1917 resquícios
de golpe e de revolução. Escreve ele: “Golpe na urdidu-
ra, decisão e realização da insurreição, um funesto pre-
cedente. A política dos fatos consumados, empreendi-
da por uma vanguarda que se arroga o direito de agir
em nome das maiorias. Revolução nos decretos, aprova-
dos pelos sovietes, reconhecendo e consagrando juridi-
camente as aspirações dos movimentos sociais, que pas-
saram a ver imediatamente no novo governo o intérprete
e a garantia das reivindicações populares”.
Mas, retomando o pensamento de Hobsbawm em
“Era dos Extremos”, a questão que mais importava na
época era outra: qual grupo político, diante do caos em
que vivia a Rússia, conseguiria chegar ao poder e, mais
importante, permanecer no poder? O próprio historia-
dor britânico responde: “Nenhum outro partido, além
dos bolcheviques de Lênin, estava preparado para en-
frentar essa responsabilidade sozinho – e o panfleto de
Lênin sugere que nem todos os bolcheviques estavam
tão determinados quanto ele”. Onde estava Stalin?
Dentro do contexto da Revolução de Outubro, qual o
papel desempenhado por Stalin? Eis a opinião de Trotski:
“Não que fosse covarde. Não há base para acusar Stalin
de covardia. Ele simplesmente não estava politicamen-
te comprometido. O conspirador cauteloso preferiu ficar
neutro no momento crucial. Esperava para ver como é que
a insurreição se resolveria antes de se comprometer com
uma posição. Em caso de fracasso, poderia dizer a Lênin,
a mim e aos nossos partidários: ‘A culpa é toda de vocês!’
Deve-se reconstruir a atmosfera apaixonada daqueles dias
a fim de avaliar devidamente o sangue-frio do homem ou,
se quiserem, seu caráter traiçoeiro”.
A descrição de Trotski soa um tanto exagerada e exala
rancor, se pensarmos no que viria em seguida na relação
entre ambos: a disputa interna após a morte de Lênin e as
manobras políticas de Stalin para expulsar Trotski e aca-
A historiografia passou a estudar qual a natureza desse evento
de outubro na Rússia: golpe ou revolução? Alguns contrários
aos bolcheviques afirmam ter sido um golpe de Estado. Já os
“de esquerda” e a historiografia que prevaleceu consideram
a insurreição como de fato uma revolução