Mania de Matematica 2 - Novos Enigmas e Desafios Matemáticos

(fjmsfe) #1

Um paradoxo bem mais profundo foi proposto em 1905 por Jules Richard, um lógico
francês. Eis uma de suas versões. Na língua portuguesa, algumas orações definem números
inteiros positivos e outras não. Por exemplo, “O ano da Proclamação da República” define o
número 1889, enquanto “O significado histórico da Proclamação da República” não define
número algum. E o que dizer desta frase: “O menor número que não pode ser definido por uma
frase em língua portuguesa contendo menos de 20 palavras.” Observe que, seja qual for esse
número, acabamos de defini-lo usando uma frase em língua portuguesa contendo somente 19
palavras. Opa.


O que aconteceu desta vez? A única saída seria se a frase proposta, na verdade, não
definisse número algum. No entanto, ela deverá fazê-lo. Se aceitarmos o fato de que a língua
portuguesa contém um número finito de palavras, então o número de orações com menos de 20
palavras também é finito. Por exemplo, se existirem 99.999 palavras, então existem no máximo
20 100.000 – 1 orações com 20 palavras ou menos. (Permitindo a existência de uma palavra em
branco, aumentamos as palavras de 99.999 para 100.000, e assim podemos incluir todas as
orações mais curtas no total. O “– 1” remove a frase vazia, formada apenas por palavras em
branco.) É claro que muitas dessas orações não fazem sentido, e muitas das que fazem sentido
não definem nenhum número inteiro positivo — mas isso nos diz apenas que temos menos
orações a considerar. As demais definem um conjunto finito de inteiros positivos, e um
teorema convencional da matemática nos diz que, nessas circunstâncias, existe um número que
é o menor inteiro positivo que não está no conjunto. Portanto, diante disso, a frase de fato
define um inteiro positivo.


Porém, naturalmente, não pode fazê-lo.
Possíveis ambiguidades na definição, tais como “Um número que, quando multiplicado por
zero, dá zero” não nos permitem escapar desta armadilha lógica. Se uma frase é ambígua,
devemos descartá-la: a palavra “definir” certamente exige um resultado unívoco. A frase
problemática apresentada por Richard será ambígua, então? Nem tanto. A frase não é
problemática por deixar de definir um único número. É problemática porque não define
número algum. Ela aparentemente deveria defini-lo — mas a existência desse número é
logicamente contraditória, portanto a sentença não é realmente capaz de definir um número.
Observe que, se houvéssemos considerado uma frase muito semelhante, como “O menor
número que não pode ser definido por uma frase em língua portuguesa contendo menos de 19
palavras”, não teríamos problema algum. Portanto, o paradoxo de Richard nos diz algo muito
profundo sobre as limitações da linguagem como uma descrição da aritmética, a saber: não
existe uma maneira fácil de determinarmos, a partir da forma de uma assertiva linguística, se
ela tem um significado. Paradoxo reconquistado.


Seguindo por um caminho mais recreativo, temos o paradoxo do “teste surpresa”. A
professora diz aos alunos que haverá um teste em algum dia da semana que vem (de segunda a
sexta-feira), e que será uma surpresa. Isso parece razoável: a professora pode escolher
qualquer dia, e os alunos não têm como saber antecipadamente que dia será. No entanto, os
alunos raciocinam da seguinte maneira. O teste não poderá ser na sexta-feira, porque, se for,
quando a quinta-feira passar sem que o teste tenha sido aplicado, saberemos que deverá ser na
sexta-feira, portanto não será surpresa alguma. Porém, uma vez descartada a sexta-feira,
estamos agora ante a mesma situação numa semana de quatro dias (de segunda a quinta-feira),
e podemos usar o mesmo argumento para determinar que o teste não poderá ser na quinta-feira.
Nesse caso, não poderá ser na quarta-feira, portanto não poderá ser na terça-feira, portanto
não poderá ser segunda-feira — portanto não é possível que haja um teste surpresa.


Por outro lado, se a professora aplicar o teste na quarta-feira, os alunos aparentemente não
teriam como saber disso antecipadamente. Essa lógica, portanto, está um pouco biruta. Será um
caso de paradoxo perdido ou de paradoxo reconquistado? Na minha opinião, trata-se de um

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