06/07.19 GO OUTSIDE 69
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Há uma citação que ela curte muito: “Se
montanhista tivesse memória boa, não esca-
laria novamente”. Karina já viu – e sobrevi-
veu a – avalanches, pedras rolando e barracas
voando e até a um grave tromboembolismo
pulmonar, mas este decorrente de um cateter
colocado em seu braço para tratar de doença
de Lyme, contraída no ano passado. Ela tam-
bém já sentiu as pernas tremendo incontrola-
velmente ao ter que cruzar passagens expostas
na beira do precipício. Seu começo na esca-
lada, aliás, foi bem assustador. Karina lembra
que, aos 19 anos, estava dando segurança para
uma amiga em uma via em São Bento do Sa-
pucaí (SP). Mas deixou a corda muito folgada
e, na hora em que a amiga desgarrou da pedra,
despencou uns 15 metros até o equipamento
travar novamente. “Demorei a entender o que
tinha acontecido”, conta. “Estava escuro, ela
gritou e, com o tranco, sua lanterna de cabeça
caiu lá embaixo. Por um momento pensei que
ela tivesse ido junto.”
Mas a “memória fraca” sempre a levou de
volta às paredes. Durante um estágio na Facul-
dade de Medicina de Milão, reservava os fi ns
de semana para aprender a escalar no gelo. No
Brasil, assinou a primeira ascensão feminina na
Cachoeira do Tabuleiro, em Minas Gerais e, no
fi m de 2018, se juntou aos paranaenses Ede-
milson Padilha e Valdesir Machado para abrir
uma via inédita de big wall na Cachoeira do El
Dorado – a maior queda d’água do Brasil, com
353 metros, localizada no Estado do Amazonas.
Como qualquer aventureiro que se preze,
ela tenta extrair o máximo de cada jornada, a
começar sentindo a energia dos lugares por
onde passa. Karina já cursou três níveis da me-
dicina alternativa reiki e não se acanha em falar
que a “física quântica está perto de explicar os
espíritos”. É nesse plano, no entanto, que ela
leva a vida intensamente. “O que me mataria
antes da hora é saber que não vivi como eu gos-
taria – escalando e tentando desafi os”, refl ete.
SE DEUS SABE o que faz, ele colocou Mar-
celo no seu caminho. O marido de Karina é a
calma em pessoa. Eles estão juntos há nove
anos, e desde 2017 Marcelo se encontra em li-
cença (não remunerada) de um banco federal,
onde trabalhou como gerente por 18 anos, para
acompanhá-la em suas viagens, fotografando e
fi lmando. Paralelamente, ele também toca ou-
tras atividades, como lojas online e operações
próprias na Bolsa de Valores. Com Karina, Mar-
celo já escalou o Elbrus, na Rússia, o Huayna
Potosi, na Bolívia, o Kilimanjaro, na Tanzânia, e
o Mont Blanc, na França – entre outros. Eles se
equilibram como Yin e Yang. “Estar com a Ka-
rina é uma aventura constante, ela não para”, diz
Marcelo, com uma cara de “não é nada fácil”. “É
uma pessoa que está sempre em busca de novos
desafi os e, como geralmente não me convence
de imediato, sempre encontra argumentos para
me envolver nesses projetos.”
Eles aprenderam a gostar das mesmas
coisas, e suas atividades se complementam.
Em junho, Marcelo vai até o campo-base do
K2 com Karina para fi lmar e ajudá-la no que
for preciso com os preparativos da escalada.
Por outro lado, Karina sabe como poucos
se cuidar sozinha em ambientes inóspitos.
“Tenho experiência em logística, já liderei
duas expedições em 8.000 metros de alti-
tude”, explica. Como médica, também en-
tende os limites do próprio corpo, sabendo
evitar chegar a um ponto que seja irreversível.
“Se eu sentir que não vou conseguir, simples-
mente volto”, resume com a “mente aberta”
mencionada por Maximo Kausch.
João e Regina podem rezar por ela, incen-
tivá-la, mas jamais barrá-la. São os que mais
sabem que, quando a fi lha põe um objetivo na
cabeça, só seu próprio desfecho é capaz de
apagá-lo. Entretanto, apesar de confiarem
nela e a acharem extremamente responsável e
cuidadosa, a preocupação sempre vai existir.
Em um dos jantares descontraídos nos lod-
ges, Regina diz com toda a naturalidade: “Só
quando a Karina tiver um fi lho é que ela vai
sentir o que a gente passa”. Foi uma das poucas
vezes em que Karina ouviu sem fazer objeção
— como se ela enfi m tivesse conseguido se co-
locar no papel de alguém que a ama.
29%
Percentual de escaladores que
morrem no K2 – média oito
vezes maior que a do Everest
1954
Primeira ascensão bem-sucedida
ao seu cume
1977
Segundo cume no K2
Menos 25ºC
A temperatura mais alta
no K2 no inverno
6
Expedições tentaram chegar ao cume
do K2 no inverno – todas sem sucesso
11
Alpinistas perderam a vida
ali em 2008, no pior
acidente da sua história
80
Pessoas morreram tentando escalar
a montanha entre 1939 e 2011
O temido
NÚMEROS SOBRE O K2, A MONTANHA MAIS
HOSTIL DO PLANETA ENTRE CHINA E PAQUISTÃO
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