National Geographic - Portugal - Edição 222 (2019-09)

(Antfer) #1
APRIMEIRAVOLTAAOMUNDO 9

Além disso, a travessia do Pacífico permitiu
conhecer a extraordinária grandeza deste ocea-
no, insuspeitada quando Balboa o avistou pela
primeira vez na zona do Panamá, em 1513; a
existência desta enorme massa de água pôs fim
à disputa entre duas teorias geográficas – a que
defendia que as águas eram rodeadas por ter-
ra em toda a orbe e a que imaginava as massas
continentais rodeadas por água, tendo vingada
a segunda. É interessante notar que a última
representação cartográfica do mundo colocan-
do os oceanos totalmente encerrados numa
massa terrestre foi desenhada por Lopo Ho-
mem em 1519, nas vésperas da partida de Fer-
não de Magalhães.
Deve acrescentar-se todavia que, além de
terminar com esta disputa académica, a longa
navegação através do Pacífico revelou uma rea-
lidade que alterou profundamente a concepção
do próprio mundo – afinal, a sua superfície está
coberta predominantemente por água, ou seja,
foi Magalhães quem deu a conhecer que a Terra
é um planeta azul.
Mas voltemos aos antecedentes desta viagem
extraordinária e vejamos de que modo o incerto
Ocidente foi sendo perspectivado pelas civiliza-
ções euro-mediterrâneas antes das descobertas
de Fernão de Magalhães.


OS MAPAS PRODUZIDOS PELOS SÁBIOS do mundo
euro-asiático na Idade Média eram esquemáti-
cos: distinguiam os três continentes, mas não
alcançavam as terras para lá do Saara e ignora-
vam quase por completo os oceanos. O mapa de
Fra Mauro de 1459 é o exemplo mais desenvolvi-
do desta concepção e tem a particularidade de já
incluir as primeiras explorações portuguesas
para lá do cabo Bojador. O Renascimento, que
agitou a Europa tardo-medieval, provocou uma
nova busca sobre os Antigos e entre os autores
então recuperados contou-se Ptolemeu, um geó-
grafo de Alexandria, que imaginava o Índico
como um grande lago e que ganhou grande repu-
tação no final do século XV depois de a sua “Geo-
grafia” começar a ser impressa.
Sintomaticamente, a célebre carta de Toscanel-
li aconselhando a busca da Índia navegando para
Ocidente foi escrita em 1474 pouco depois de a
obra de Ptolemeu ser celebrizada pela imprensa.
Dom João II, porém, teimou na sua deman-
da pelo sul e, através de Bartolomeu Dias, pôde
comprovar que o continente africano não se
prolongava infinitamente, pelo que o Índico era


realmente acessível a partir do mar que tanto
medo incutira durante séculos aos marinheiros
euro-mediterrâneos.
Enquanto o Príncipe Perfeito engendrava
a Rota do Cabo, Cristóvão Colombo juntava à
ideia de Toscanelli as informações erróneas
veiculadas por Marco Polo. Com efeito, o céle-
bre aventureiro veneziano referia na sua obra
a existência de uma ilha riquíssima a leste da
China que designou por Cipango. Tratava-se,
como é sabido, do Japão, que, na interpreta-
ção de Marco Polo, seria um país riquíssimo: de
acordo com a narrativa ficcionada de Polo, até
os telhados das casas seriam de ouro neste terri-
tório que estaria umas mil e quinhentas milhas
para dentro do mar.
O arquipélago nipónico quedava de facto a
essa distância dos portos do Sul da China, onde
Polo recolheu as informações, mas estava tam-
bém a essa distância num rumo nor-nordeste,
não muito distante da península coreana, e
não a leste no interior do oceano. Quer isto di-
zer que, ignorando a existência do continente
americano e imaginando que a Terra seria mais
estreita do que é na realidade, Cipango poderia
estar na região onde se situam de facto as ilhas
da América Central.
Ao mesmo tempo que se concebia a traves-
sia para Ocidente, os navegadores portugueses
alargavam sistematicamente as navegações
pelo Atlântico, afastando-se cada vez mais
de África e da Europa. Dom Afonso V e Dom
João  II estimularam os aventureiros a explo-
rar as águas distantes da Guiné e, numa carta
de 1486, o monarca português prometeu pela
primeira vez que concederia a um explorador
a capitania das terras que viesse a descobrir,
fossem ilhas ou terra firme. Quer isto dizer que,
por acção de um eventual avistamento fortuito
ou em consequência da pertinácia de que Co-
lombo mais tarde daria provas, começava a ad-
mitir-se que talvez fosse possível atingir a Ásia
pela via do Ocidente. Após mais de meio século
de viagens de exploração, o mar-oceano estava
prestes a ganhar forma.
A última década de Quatrocentos corres-
pondeu a uma súbita aceleração do ritmo dos
Descobrimentos. Após a exploração lenta da
costa ocidental africana, num ápice, Cristóvão
Colombo, Giovanni Caboto, Gaspar Corte Real e
Pedro Álvares Cabral comandaram expedições
que permitiram o reconhecimento de terras a
ocidente – de norte a sul.
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