National Geographic - Portugal - Edição 223 (2019-10)

(Antfer) #1

8 NATIONALGEOGRAPHIC


Um fedor insuportável pairava


sobre Le Mormont. O odor a carcaças


e cadáveres a apodrecer emanava


das valas abertas. Os mortos


tinham sido decapitados e os cavalos,


vacas e ovelhas sacrificados.


No entanto, havia ossos. Muitos pertenciam
aos valiosos cavalos importados de Itália que
eram um símbolo de estatuto entre os celtas.
Também foram encontradas ossadas humanas,
correspondentes a cerca de cinquenta indiví-
duos. Alguns foram depositados em posição de
decúbito dorsal e outros foram sepultados sen-
tados. Uma criança parcialmente decomposta
fora atirada para uma das valas. Quatro pessoas
tinham sido decapitadas. Alguns ossos mostra-
vam marcas de fogo. Vários crânios não tinham
mandíbula inferior, pois os celtas removiam-na
frequentemente em contexto ritual.
De início, Gilbert Kaenel e Lionel Pernet pen-
saram ter encontrado um local de culto em Le
Mormont, mas não tardaram a duvidar da sua
própria hipótese. Os locais sagrados são cons-
truídos para durar, mas, de acordo com a sua
investigação, estas pessoas tinham ali vivido
poucos meses. Não havia uma colónia a sério,
possivelmente devido à inexistência de recursos
aquáticos nas montanhas de greda. A água tinha
de ser arduamente carregada até ao topo.
O que teria levado esta comunidade a matar as
suas valiosas cabeças de gado e a abandonar as
ferramentas e as mós? “Tudo isso era essencial

ATIRARAM-NOS PARA AS VALAS através de con-
dutas. Ou talvez os tenham enterrado no âmbito
de uma cerimónia ritual. É certo que, aqui, acon-
teceram episódios horríveis. Pelo menos é essa a
opinião dos arqueólogos Gilbert Kaenel e Lionel
Pernet sobre o que aconteceu neste monte, num
local que aparenta ter sido um campo de refugia-
dos celtas junto do lago Genebra, na Suíça.
Até há pouco tempo, Gilbert foi director do Mu-
seu Arqueológico Regional de Vaud, chefiando os
trabalhos de conservação e restauro das escava-
ções no monte Mormont. Lionel é o seu sucessor.
A equipa está a analisar dezenas de milhares de
ossos e fragmentos de cerâmica, entre outras des-
cobertas. Os especialistas tentam reconstituir o
que aconteceu em Le Mormont há dois mil anos.
Quando os arqueólogos começaram a explorar
o monte em 2006, antes de começar a actividade
de mineração de greda prevista para o local, des-
cobriram 250 valas. Algumas tinham sete metros
de profundidade e outras penetravam na camada
de greda, ainda mais abaixo. Continham fragmen-
tos de cerâmica e cálices de bronze, bem como
utensílios de ferreiro, machados de carpintaria e
mais de 150 mós pouco ou nada usadas. Os inves-
tigadores quase não encontraram armas.


TEXTO DE SIEBO HEINKEN


ILUSTRAÇÕES DE SAMSON GOETZE

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