Você SA - Edição 248 (2019-01)

(Antfer) #1
50 wJANEIRO DE 2019 wVOCÊ S/A

DIVERSIDADE

Q


uando o táxi esta-
cionou para buscar
a drag queen Mama
Darling numa rua
movimentada do
centro de São Pau-
lo, a peruca dela não
passava na porta do
carro. Para entrar,
foi preciso tirar da
cabeça o emaranha-
do de fios, com meio
metro de comprimento e um enorme
arranjo de frutas. Mama Darling mede
1,81 metro e, no dia, usava sandálias
de salto 15 centímetros. Eram quase 2
metros de altura tentando se acomo-
dar no banco do passageiro sem rasgar
a saia de tule, desfiar a meia-calça 7/8
ou perder umas das unhas postiças.
Bem-humorada, pediu ao motorista
que ficasse tranquilo: “Está tudo bem,
moço”. Depois, perguntou qual era a
previsão de chegada. Ao ouvir que
estaria no local oito minutos antes
do combinado, disse: “Ufa, em cima”.
Naquela tarde de dezembro, em que
era acompanhada por nossa reporta-
gem, Mama, como ficou conhecida,
participaria da comemoração de final
de ano de uma tradicional produtora
de cinema. Foi convidada para animar
o evento e divertir os funcionários. E
fez sua parte. Por mais de três horas,
manteve-se animada em cima do pal-
co, dançando na pista e brincando
com os convidados — especialmente
rapazes bonitos, para os quais gritava
“lindo” e perguntava “casa comigo?”.
Mandou dezenas de beijinhos, tirou

UMA DRAG NO ESCRITÓRIO


Conheça Fernando
Magrin, o executivo da
American Airlines que
virou drag queen e criou
um dos maiores blocos de
Carnaval de São Paulo
Mariana Poli

fotos com crianças e soltou bordões
como “Não é para assustar, é para se
apaixonar” e “Menos nunca é mais”.
Quem vê a cena não imagina que,
por trás das lantejoulas e das piadi-
nhas infames, está Fernando Magrin,
de 53 anos, executivo da maior com-
panhia aérea do mundo. Gerente de
novos negócios da American Airlines,
ele virou drag queen três anos atrás,
em plena meia-idade, quando fundou
o MinhoQueens, um dos grandes blo-
cos do Carnaval de São Paulo.
O nome de Mama Darling foi ins-
pirado na personagem de Drew
Barrymore no documentário Grey
Gardens (2009). A atriz vive a prima
decadente de Jackie Kennedy, uma
jovem problemática que usa o tempo
todo a expressão “mother darling”
(querida mãe, na tradução para o por-
tuguês). Segundo o executivo, como a
drag queen é meio mãezona, o nome
caiu como uma luva. “O bloco é fre-
quentado por uma meninada e sou
a mais velha. A mama é safada, mas
tem uma coisa maternal ao mesmo
tempo”, diz Fernando, que flexiona
as palavras para o gênero feminino
quando está se referindo ao alter ego.

Acolhimento corporativo
A virada inusitada lhe rendeu noto-
riedade no mundo dos negócios. “As
pessoas adoram saber dessa história,
ficam curiosas e admiradas.” Forma-
do em artes cênicas na Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp),
Fernando chegou à capital em 1993,
aos 27 anos, para tentar a carreira
de ator. Enquanto ensaiava peças de
teatro e fazia testes para comerciais,
ele passou a trabalhar aos finais de
semana como vendedor de joias da
loja H.Stern, no Aeroporto Interna-
cional de Guarulhos, para manter a
própria subsistência.
Lá, fez amizade com uma moça que
trabalhava na sala VIP da American
Airlines, que o avisou quando surgiu
uma vaga de atendimento no loun-
ge da companhia aérea. Precisando
de dinheiro, resolveu tentar. Com
inglês fluente, fruto do intercâmbio
feito na Califórnia aos 17 anos, e a
desenvoltura adquirida no teatro,
conquistou a oportunidade. “Num
primeiro momento, eu me encantei
pelos benefícios de viagem. Nós não
pagávamos nem taxa de embarque.
Comecei a passar até final de semana
em Nova Iorque. Íamos para os Esta-
dos Unidos comprar papel hi giênico.
Era uma coisa absurda, porque o real
valia mais doque o dólar.” Fernando
começou sua carreira ali no início do
Plano Real, quando o governo Fer-

FOTOS: GERMANO LÜDERS

Fernando Magrin, gerente de novos
negócios da American Airlines: ele se
transforma na drag queen Mama Darling
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