Você SA - Edição 248 (2019-01)

(Antfer) #1

nando Henrique Cardoso controlava a
taxa de câmbio e a moeda americana
chegou a valer 0,82 centavo de real.
Mas o que mexeu com ele não fo-
ram só os descontos nas passagens,
mas o fato de perceber, pela primeira
vez, que ser homossexual não era um
problema. Pelo contrário. Na Ame-
rican Airlines, descobriu um mundo
novo. Em 1994, a multinacional já
tinha, entre outras coisas, um atu-
ante grupo de funcionários LGBT+,
chamado de Pride (orgulho, na tra-
dução para o português). “As pessoas
falavam abertamente a respeito de
sexualidade. Era natural. No final
dos anos 90, quando ninguém tocava
no assunto, conheci uma piloto trans
que fez a transição trabalhando em
nossa empresa. Foi esse o ambiente
que encontrei e um dos motivos que
me fez ficar até hoje.”
Para o menino de Nova Odessa,
cidade de 50 000 habitantes no in-
terior paulista, acostumado a escon-
der as bonecas do pai e a namorar
garotas a contragosto, aquilo era
um trunfo pessoal e profissional.
Colegas e chefes souberam desde o
começo que ele era gay, coisa que a
família levou anos para descobrir.
“Só consegui falar disso com meus
parentes cinco anos atrás, quando
meu pai morreu”, diz.
Fernando trabalhou na área VIP
por nove anos. Fazia o atendimento
de passageiros importantes e em-
barcava nomes como Xuxa, Pelé,
Sônia Braga e Naomi Campbell.
Nessas ocasiões, não perdia a opor-
tunidade de brincar — traço de per-
sonalidade que mantém ainda hoje,
no escritório. Com um dos maiores
ídolos do futebol brasileiro, fez gra-
ça. “Disse a ele que minha primeira
palavra não tinha sido nem papai,
nem mamãe, mas Pelé.” Para Malu
Mader, contou piada. “Quem é o pai
da Malu Mader? Malu Fader!” O jei-
tão despachado o fez conquistar a
simpatia dos passageiros.


52 wJANEIRO DE 2019 wVOCÊ S/A FOTOS: 1 ANANDA MIGLIANO/FUTURA PRESS 2 GERMANO LÜDERS


De secretário a executivo
No final de 2005, ficou sabendo de
uma vaga para trabalhar como auxi-
liar do gerente-geral da área comercial
no corporativo. Pegou a chance. Dois
anos depois, foi promovido a agente
de vendas, dando suporte aos repre-
sentantes comerciais externos, auxi-
liando com planilhas, dados e revisão
de números. Em 2014, virou analista
de vendas para a América Latina, pas-
sando a se reportar diretamente ao
time comercial de Miami. “Essa fase
foi difícil, porque mexia com números
e tive de aprender na raça. Só con-
segui porque encontrei profissionais
dispostos a me ensinar.”
Em 2017, após uma troca de co-
mando em sua equipe nos Estados
Unidos, outra promoção: executivo
de novos negócios. “A nova chefe
disse que gostaria de me ver na rua,
buscando contas. Falou que a em-
presa abriria uma vaga e sugeriu que
eu me candidatasse. ” A missão de
Fernando, agora, é fechar negócios
com pequenas e médias empresas e
convencê-las de que a American Air-
lines é a companhia certa para cuidar
das viagens corporativas. Para isso,
oferece programas de pontuação e
tarifas com preços especiais. A aérea
faz voos diários saindo de São Paulo,
Rio de Janeiro, Brasília e Manaus para

quatro cidades americanas: Miami,
Dallas, Nova York e Los Angeles.
A ascensão para gerente veio um
ano depois de ter se tornado drag
queen e fundado o bloco de Carna-
val. Desde que criou a personagem
também passou a ser chamado para
ir a eventos, como a festa da firma
que VOCÊ S/A acompanhou, a dar
palestras e a comparecer a fóruns
sobre diversidade. Já falou, ora com
o terno e a gravata do Fernando, ora
com as fantasias da Mama Darling,
para pessoas da Avon, Accenture e
Câmara Americana de Comércio do
Rio de Janeiro. “Não sou especialista
nem intelectual. Meus depoimentos
vêm do coração.” E Fernando afirma
estar sendo surpreendentemente
recompensado pela experiência.
“Após um desses eventos, recebi
e-mail de um profissional com a
mesma idade que eu. Ele escreveu:
‘Após ouvir sua história, decidi que
vou chegar em minha empresa nesta
semana e dizer que sou casado com
um cara há 30 anos’.”
Quando questionado se um dia ima-
ginou que seria referência LGBT+, diz
que isso nunca havia passado por sua
mente. “Jamais pensei. Sinto como se
tivesse tido uma segunda chance de
exercer meu lado ator, uma oportuni-
dade incrível de me reinventar”, diz.

Bloco MinhoQueens, no Vale do Anhangabaú em São Paulo: 200 000 pessoas em 2018

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DIVERSIDADE
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