Superinteressante - Edição 399 (2019-02)

(Antfer) #1
após longos períodos de tansporte e estoque, ajudou
a indústia de aromas a se estabelecer. Mas um dos
pontos-chave para a profissão foi a invenção, na dé-
cada de 1950, das primeiras máquinas comerciais de
cromatografia gasosa. Pela primeira vez, era possível
simular o que acontece na boca e no nariz: “alimenta-
vam” a máquina com pequenas doses de um produto e
viam seus compostos aromátcos separados por meio
de um gás neuto. Isso permitu que cada estutra
fosse isolada das demais.
Um aroma artficial já não precisava imitar a na-
treza por meio de tentatva e erro: o aromista podia
separar seus “ingredientes”, provar combinações e
decidir quais mistras reproduziam de forma mais
agradável o sabor que ele pretendia dar à comida.
Encontar o aroma mais equilibrado, adequado e
economicamente viável em meio a mais 3 mil ingre-
dientes e fórmulas químicas exige bastante pesquisa,
claro – motvo pelo qual as casas de aromas que do-
minam o mercado colecionam segredos industiais e
fórmulas confidenciais. Apenas quato empresas – duas
suíças, Givaudan e Firmenich, a americana IFF e a
alemã Symrise – produzem mais de 60% dos aromas
presentes na comida que você compra.

Linha de montagem
Marcel Miasiro Silva, aromista sênior da Firmenich,
conversou com a SUPER e forneceu vislumbres sobre
a lógica de produção de um aroma.
Eles são, tadicionalmente, divididos em dois grupos:
os aromas natrais e os sintétcos. Os natrais não preci-
sam vir totalmente prontos da natreza. Vale fermentar,
destlar, concentar óleo. Só não pode tansformar o
ingrediente com reações químicas em laboratório.
O extato de baunilha, por exemplo, é obtdo a partr
da fava seca da flor de uma orquídea. Mas só 2% de uma
fava natral pode ser convertda em extato. Acontece
que uma única molécula é a principal responsável pelo
aroma característco da baunilha: a vanilina.
E ela é facilmente produzida em laboratório. A partr
do cravo-da-índia, isola-se uma substância chamada
eugenol. Oxidado, ele se torna vanilina, a baunilha
sintétca. Sintétca. Mas não exatamente “artficial”.
Essa classificação vale só para a produção de moléculas
impossíveis de encontar na natreza.
É o caso da etlvanilina, uma criação 100% huma-
na. Ela dá gosto de baunilha por um terço do preço
da vanilina – o que explica por que você enconta, a
cada esquina, um sorvete de casquinha de baunilha...
a preço de banana. “É por isso que a fava de baunilha
comprada no supermercado fica na faixa de R$ 45, e a
essência de baunilha no vidrinho é muito mais barata”,
lembra Marcel. Mas não basta um único ingrediente
para fazer o tabalho. Um composto isolado sempre

taz uma experiência sensorial mais linear e menos
complexa do que um extato totalmente natral.
O aromista, então, precisa criar camadas com a sua
matéria-prima. “Um bom aroma de melancia não pode
ser feito só de matérias-primas presentes na polpa. A
fruta cresce fechadinha, e seus aromas concentam
aspectos de cada um dos seus elementos: polpa, semen-
tes, casca. Um aroma autêntco precisa ter tdo isso.”

Modulação de sabor
Manipular “camadas” de aromas exige que o aromis-
ta entenda muito bem os thresholds – concentações
mínimas e máximas para o uso de cada aroma. “Você
começa com um ingrediente, e uma solução de água
com açúcar. Vai pingando e provando, até começar a
sentr o efeito do aroma na água. Esse é o threshold
mínimo dessa substância”, explica Marcel.
Certas matérias-primas têm thresholds baixíssimos.
Uma só gota de concentado de pimentão saboriza um
volume de água equivalente a cinco piscinas olímpicas
inteiras. Já aromas com intensidade excessiva podem
estagar tdo. O endol, em pequena quantdade, tem
um perfume floral de jasmim. Acima da concentação
ideal, cheira a estábulo – um misto de fezes e urina.
Se concentações altas demais produzem efeitos
tagicômicos, saber manipular as concentações mí-
nimas também é útl – especialmente em uma nova
área na indústia: a modulação de sabores.
Sabe quando lançam uma versão zero açúcar ou zero
gordura de algum iogurte grego? Então. O fabricante
busca na indústia de aromas uma forma de recuperar
o sabor jogado fora junto com as calorias.
Dá para fazer isso tabalhando com aromas abaixo
do threshold mínimo. Em um iogurte sem açúcar, por
exemplo, é possível usar o aroma de mel, mas abaixo
da concentação necessária para que ele seja perceptível
como mel. “Posso combinar uma série de aromas doces
para formar um perfil doce, encorpado, mas sem dar
o gosto desses ingredientes todos no produto final.”
O caso da gordura é ainda mais surpreendente. Afi-
nal, a ausência dela muda drastcamente a textra do
produto. Mesmo assim, aromas de laboratório ajudam
a recompor essa experiência tidimensional.
“Imagine todo o universo de alimentos que dão a
sensação de ‘encher a boca’. Manga, pêssego, manteiga.
Usamos aromas ligados a essas matérias-primas – sem-
pre abaixo da concentação mínima – para promover
a mesma sensação tátl”, conclui. Por mais rebuscada
que seja a ilusão, porém, é claro que a experiência
de comer um iogurte integral – ou qualquer outo
alimento saboroso – segue impossível de reproduzir
por completo. Afinal, o seu paladar, que evoluiu por
milênios, não vai ceder tão fácil à alquimia dos aro-
mistas. Pelo menos, por enquanto. S

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