AÇORES 89
À medida que as ondas golpeavam violenta-
mente o casco, o vento percorria o convés do
Santa Maria Manuela com um assobio ensur-
decedor. O nervosismo no rosto do comandante
aumentava ao ritmo dos solavancos da embar-
cação. No horizonte, o céu escurecia. Uma fren-
te oceânica que prometia não dar tréguas apro-
ximava-se velozmente, carregada de ira de Éolo
e Neptuno.
Navegando em contra-relógio, o veleiro oc-
togenário com 67 metros de comprimento con-
seguiu abrigar-se a norte da ilha da montanha-
mor de Portugal, colocando a salvo a sua carga
preciosa. No interior, encontravam-se dezenas
de investigadores oriundos de todo o mundo,
acompanhados por toneladas de equipamen-
tos científicos. Era uma força de elite preparada
para a maior expedição ao mar dos Açores desde
que há memória.
Se existem lugares inacreditáveis neste pla-
neta, um deles é o arquipélago mais recente da
Macaronésia no extremo ocidental da Europa, a
1.360 quilómetros para oeste de Portugal conti-
nental. Composto por nove ilhas vulcânicas que
emergiram das profundezas do oceano Atlânti-
co Norte, os Açores são um paraíso para os olhos
de qualquer um. O azul hipnotizante do mar e o
verde gritante das montanhas reinam num ce-
nário digno de um conto de fadas. No entanto, é
a magia do seu universo subaquático que o tor-
na verdadeiramente especial.
Abaixo da superfície do mar, existe um oásis
de biodiversidade marinha que seduz a comuni-
dade científica desde os primórdios da ciência.
Vários naturalistas oitocentistas maravilharam-
-se com a riqueza marinha dos Açores e ficaram
para a história as campanhas oceanográficas
aqui realizadas pelo rei Dom Carlos e pelo prín-
cipe Alberto do Mónaco no início do século XX.
Apelidado por muitos como a encruzilhada do
Atlântico, este reino acolhe habitantes de origens
diversificadas – de vejas e barracudas de climas
tropicais e subtropicais a cavacos e badejos do
Mediterrâneo, passando por abróteas e bodiões-
-vermelhos de águas temperadas ou frias. Esti-
ma--se que cerca de 3.500 espécies vivam inter-
ligadas neste mosaico complexo e diversificado
de habitats costeiros, oceânicos, pelágicos e
bentónicos.
É nesta região que a cordilheira submarina
conhecida como crista médio-atlântica, atra-
vessada por inúmeras falhas tectónicas, separa
as placas continentais americana, euro-asiática
e africana. É uma metrópole selvagem agitada,
conhecida pelo seu magnífico buffet oceânico,
que atrai grandes predadores como espadar-
tes, atuns, jamantas, tubarões, tartarugas e ce-
táceos. Viajantes esfomeados de um Atlântico
distante deliciam-se aqui com cardumes de pe-
quenos peixes pelágicos, krill, camarões, lulas e
organismos gelatinosos como a famosa carave-
la-portuguesa.
As condições únicas que aqui se reuniram ao
longo de milhões de anos de evolução fizeram,
destas águas, o El Dorado da biodiversidade ma-
rinha do mar português.
À
S SEIS HORAS, o sol espreitava timida-
mente ao largo da ilha do Corvo, ilu-
minando a agitação matinal que se
fazia sentir no convés do navio. “Camaradas, todos
sabemos o que temos a fazer. Vamos a isto!”, disse
com entusiasmo Emanuel Gonçalves, o biólogo
marinho da Fundação Oceano Azul, líder da expe-
dição Oceano Azul. A estibordo, Paul Rose, explo-
rador do projeto Mares Prístinos da National
Geographic e líder-adjunto da expedição, acenava
com a cabeça em sinal de concordância. Nesse
preciso instante, cientistas das mais variadas dis-
ciplinas como a biologia, a ecologia, a geologia, a
cartografia e a oceanografia davam início às suas
operações.
Após análise das misturas gasosas e monta-
gem dos escafandros, os mergulhadores lança-
ram-se ao mar em lanchas rápidas com destino
aos recifes costeiros da ilha. Aos dez e aos vinte
metros de profundidade, enquanto uns faziam
censos visuais de peixes, outros lidavam com al-
gas e invertebrados marinhos, com o objetivo de
caracterizar as comunidades, quantificar a bio-
massa e comparar zonas com e sem proteção.
“Para conseguirmos uma amostragem mais
completa, tentámos explorar também uma
zona abaixo das áreas de mergulho recreativo”,
regista Emanuel Gonçalves, já no seu gabinete
na Fundação Oceano Azul, em Lisboa. “Muitas
vezes, espécies que são sobreexploradas nas zo-
nas costeiras preferem estes habitats de maior
profundidade.”
A necessidade urgente de proteger o mar que
banha um país com raízes salgadas alimentou o
sonho da expedição Oceano Azul.
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