12 • Público • Sexta-feira, 1 de Novembro de 2019
POLÍTICA
Os dois dias de discussão do
Programa do Governo deixaram
claro que a legislatura que agora
se iniciou vai ser muito diferente
da anterior. A esquerda que
sustentou no Parlamento o
anterior executivo deixou claro a
António Costa que tudo mudou e
que, ou mostra serviço, ou não
terá a estabilidade e a
convergência que pediu. O PSD de
Rio apresentou-se com um
discurso duro e exigente, e o CDS
manteve a linha de tiro ao alvo que
vinha de Cristas. Já a nova direita
parlamentar, sem surpresas,
chegou de caçadeira, disparando
chumbo por todo o lado. Só o PAN
não espetou, para já, qualquer
farpa no Governo, e André Silva
até mostrou satisfação com a
aproximação de Costa aos seus
temas. O Livre tem um problema:
a mensagem da sua deputada não
passa devido à sua gaguez.
Costa apresentou-se no
Parlamento a falar à esquerda
como homem que, tendo casado
há quatro anos de papel assinado,
pediu o divórcio quando lhe saiu o
segundo prémio do Euromilhões,
mas quer continuar a ir almoçar e
jantar de borla à casa da ex-mulher
como se nada tivesse mudado. Só
que a “ex” já lhe fez saber que não
há refeições grátis e que, para
comer, também ele tem de levar
qualquer coisa para a mesa, e não
pode ser pouco.
Se quer comer, disse-lhe o BE,
tem de negociar. O Bloco
apresentou a António Costa um
longo, exigente e oneroso caderno
de encargos, e Catarina Martins
avisou mesmo que não passa
cheques em branco.
O PCP, a quem Costa desaÆou
para continuar a fazer um caminho
conjunto, fez saber que o Programa
do Governo não responde às
necessidades do país e aconselhou
Costa a não se Æar na aritmética
parlamentar.
Uma aritmética levada ao debate
por Costa logo no primeiro dia para
dizer que, para o deitarem abaixo,
a esquerda e a direita têm de juntar
os votos. E a esquerda não gostou
de ver as contas feitas assim. O BE
viu mesmo nas palavras do
primeiro-ministro um “tom de
desaÆo e ameaça”. “Não é o bom
caminho se se deseja estabilidade a
quatro anos”, avisou o líder
parlamentar Pedro Filipe Soares. O
PCP, também através do líder da
bancada, João Oliveira, disse que é
“um mau prenúncio que o Governo
parta já do princípio de que as suas
propostas poderão suscitar a
necessidade de derrota com tal
aritmética”.
Ainda à esquerda, o Livre foi
seguramente o alvo de mais
comentários no hemiciclo e nos
corredores parlamentares. E não
foi pelas melhores razões. A gaguez
da deputada Joacine Katar-Moreira
Crónica
Luciano Alvarez
faz com que as suas palavras, a sua
mensagem, não passem de forma
clara e, em alguns casos, não se
entendam de todo. Foi assim nas
três intervenções que fez. Talvez
fosse bom o Livre começar a
pensar em como pode resolver este
problema.
O PAN, com um grupo
parlamentar de quatro deputados,
vive dias de euforia, e André Silva,
para já, até parece ter visto
unicórnios arco-íris no Programa
do Governo.
Da vizinhança à direita do PS,
como se esperava, não virá
qualquer folga a António Costa e ao
Governo. Rui Rio, na sua primeira
intervenção, anteontem, talvez por
estar em campanha interna,
resolveu entrar a pés juntos,
usando as metáforas futebolistas
que o presidente do PSD tanto
gosta. Despejou quatro ou cinco
temas polémicos a roçar o puro
bota-abaixo que tanto critica e
sentou-se sorridente.
Até Costa, que franziu o sobrolho
várias vezes durante a curta
intervenção de Rio, pareceu
Uma coisa Äcou
garantida após
estes dois dias
de debate: vai ser
uma legislatura
muito animada
Costa sem boa vizinhança à esquerda e à direita
públicos — “as nódoas mais escuras
da governação socialista”. E avisou
António Costa para contar com
uma oposição dura.
A renovada bancada
parlamentar laranja também deu
nas vistas pelo comportamento
bem mais reservado do que a
anterior. Quase não se ouviram
piadas, “bocas” ou críticas durante
as intervenções de outros partidos.
E a forma rápida com que todos os
deputados se levantaram em
aplausos, ontem, quando o líder
terminou a sua intervenção,
mostrou que, pelo menos no
Parlamento, Rio pode ir em frente
que tem ali a sua gente.
No CDS, Cecília Meireles, a nova
líder parlamentar, manteve o estilo
agressivo de Assunção Cristas de
não poupar o Governo em
nenhuma área, ainda que de uma
forma mais suave. Dos cinco
deputados eleitos, apenas ainda a
presidente não falou, mas foi ela
quem mais acabou por dar nas
vistas. Durante os dois dias de
debate, Cristas mostrou-se sempre
muito reservada, com o rosto
fechado, como se estivesse mal
com este e todos os outros mundos.
A nova direita parlamentar
deixou claro que está ali para
malhar. No PS, no Governo, em
toda a esquerda e em quem mais se
lhe atravesse no caminho. Os dois
deputados eleitos fazem-no com
estilos diferentes, ainda que com
muita sintonia temática. João
Cotrim Figueiredo, do Iniciativa
Liberal, de forma mais calma e
pausada. André Ventura, do Chega,
de forma mais desabrida,
parecendo por vezes ter engolido
uma fanfarra balcânica, tal é a
velocidade estonteante com que
solta temas e adivinha tragédias
bíblicas. Ventura foi o único
deputado dos novos partidos com
assento parlamentar que Costa não
saudou.
Uma coisa Æcou garantida após
estes dois dias: vai ser uma
legislatura muito animada.
DANIEL ROCHA
[email protected]
13
O primeiro debate quinzenal
com o primeiro-ministro
está marcado para o dia 13
de Novembro. Segue-se outro
a 28 do mesmo mês
12,
Durante doze horas e meia,
divididas por dois dias,
os 230 deputados estiveram
no hemiciclo a debater
o Programa do Governo
surpreendido com tanta energia
oratória e tão variada e inesperada
temática. Acabou por não
responder a quase nada do que lhe
foi questionado e partiu para a
ironia, questionando se o líder do
PSD não estaria a estagiar para
comentador televisivo. Acusou-o
ainda de estar a fazer “julgamento
de tabacaria” no Parlamento.
Já ontem, Rio apresentou-se
assegurando que não fará uma
política de bota-abaixo, deixando
até em aberto a possibilidade de
alguns acordos pontuais. Não
abdicou, porém, de fazer fortes
críticas ao Governo, apontando a
sua má actuação em áreas como a
justiça, a saúde e os serviços