14 • Público • Sexta-feira, 1 de Novembro de 2019
POLÍTICA
Partidos
Leonete Botelho
Carlos Guimarães Pinto não
vai abandonar o partido.
João Cotrim Figueiredo
admite candidatar-se a
presidente
[email protected]
Carlos Guimarães Pinto sai da lide-
rança da Iniciativa Liberal (IL) para
regressar à Universidade Nacional
de Economia do Vietname, onde é
docente convidado e para onde
regressa dias depois do conselho
nacional do partido, que se realiza a
17 de Novembro e no qual será mar-
cada a convenção que vai escolher
o novo presidente executivo. O
deputado único do partido, João
Cotrim Figueiredo, admitiu entre-
tanto a possibilidade de vir a assumir
a presidência da IL.
“É uma possibilidade, não nego.
Há muitas pessoas que o têm suge-
rido ou até recomendado. Eu pode-
rei ser, enquanto deputado, o porta-
-voz, o comunicador, a cara de ideias
que pertencem a muito mais pes-
soas. Como é que isso se organiza
em termos de presidência do parti-
do e o Parlamento é a questão que
eu estou a ponderar”, respondeu o
deputado aos jornalistas.
Guimarães Pinto — que está a fazer
o seu doutoramento na Universida-
de do Porto, onde também é assis-
tente — já tinha avisado o partido,
Presidente demissionário
da Iniciativa Liberal volta
ao Vietname após
convenção do partido
antes das eleições legislativas, que
“só fazia sentido manter-se na lide-
rança, em prejuízo da sua vida pes-
soal, se tivesse sido eleito”, como
aÆrmou João Cotrim Figueiredo,
ontem, na Rádio Observador. Caso
contrário, “era sua vida proÆssional
que podia ser posta em causa, talvez
de forma deÆnitiva”.
“Não se pode pedir mais a Carlos
Guimarães Pinto”, acrescentou o
parlamentar, que admite candida-
tar-se à liderança do partido, depois
de fazer uma reÇexão com as estru-
turas partidárias no conselho nacio-
nal do próximo dia 17. Nessa reunião,
será também marcada a data da con-
venção electiva, devendo as candi-
daturas ser apresentadas entre essas
duas datas. Até lá, Carlos Guimarães
Pinto mantém-se em gestão.
“O meu compromisso com o par-
tido é de tal forma grande, que serei
sempre, sempre, parte da solução e
não do problema. E será a solução
que melhor ajudar o partido”, aÆr-
mou João Cotrim Figueiredo à Rádio
Observador. “Somos um partido
sobretudo de ideias, mais do que
pessoas, pelo que ao desaparecer
uma cara não há nenhum vazio. As
ideias estão lá, as estruturas do par-
tido existem e funcionam e na con-
venção electiva será eleito um novo
líder. Quando se está apostado em
fazer vingar ideias, isso é mais
importante do que as pessoas”,
acrescentou.
João Cotrim Figueiredo enalteceu
o papel do actual líder do partido,
aÆrmando mesmo que “o essencial
do que a IL é hoje deve-se a Carlos
Guimarães Pinto”. Ao PÚBLICO, a
assessora do partido aÆrmou que o
ainda presidente vai continuar como
militante, a trabalhar no que for pre-
ciso, embora vá estar no Vietname
até Janeiro do próximo ano.
Carlos Guimarães Pinto anunciou
a saída da liderança no “dia históri-
co” em que a força política se estreou
com uma intervenção no Parlamen-
to. “A minha missão no partido Æcou
hoje cumprida e termina aqui”,
escreveu na sua página do Face-
book. A IL agradeceu entretanto ao
seu presidente demissionário pelo
“sacrifício pessoal e proÆssional” da
missão de liderar partido, respeitan-
do a sua decisão de deixar o cargo,
cujo “exemplo de dedicação” pro-
mete seguir.
Carlos Guimarães Pinto vai
deixar a liderança da IL
Jornalista. Escreve à sexta-feira
[email protected]
Na sua estreia como deputado na
Assembleia da República, João
Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa
Liberal (IL), disse coisas
extraordinárias. Uma delas foi esta:
“O PS sabe que, mantendo um país
amorfo e resignado, tem um grupo
de pobres, desesperados e
dependentes do Estado que lhe
irão dar o voto. A pobreza de
muitos é o que segura o PS ao
poder.” A seguir, apresentou a
moral da história: como o PS só
“existe para estar no poder, nunca
irá resolver o problema da
pobreza”, pois são os pobres que
permitem ao PS “manter-se lá”.
Foi o tom de acinte com que a
frase foi dita que despertou a minha
curiosidade. Há duas formas de
olhar para isto. Uma é analisar a
linha de raciocínio (é uma ideia
lógica?); a outra é olhar para os
factos (o que sustenta a ideia?).
Vamos por partes.
Cotrim de Figueiredo diz que “os
pobres” votam no PS como se fosse
um axioma, uma verdade tão óbvia
e consensual que dispensa
demonstração. Tão inquestionável
como dizer “penso, logo existo”.
No fim, o deputado apresenta as
consequências da evidência: o PS
produz pobres para se manter no
poder. Favorecer os pobres seria o
seu suicídio político. Levada a tese
ao extremo, fiquei à espera que
aconselhasse o PS a favorecer os
ricos. Afinal, seria a melhor forma
de manter os pobres na pobreza.
Pequeno problema: os factos
mostram que o axioma é falso e
destroem a tese do deputado da IL.
Aceitando a simplicidade do
termo “pobres”, em Portugal, os
pobres votam pouco e votam
menos do que os ricos. Foi isso que
ouvi dos seis cientistas políticos
com quem falei depois do discurso.
E foi o que confirmei no novo
estudo Abstenção e Participação
Eleitoral em Portugal: Diagnóstico e
Hipóteses de Reforma, de João
Cancela e Marta Vicente,
apresentado na conferência do
think tank Portugal Talks,
promovido pela Câmara de Cascais.
Nas eleições de 1975, 92% dos
recenseados votaram (recorde de
participação) e, nas legislativas de
Outubro, 51,4% não votaram
(recorde de abstenção). O que
aconteceu? “Entre 1985 e 2002, as
diferenças de propensão para o
voto entre os 20% com rendimentos
mais baixos e os 20% com
rendimentos mais altos só foram
signiÆcativas numa ocasião (1991)”,
dizem os investigadores. Mas “entre
2005 e 2015 cavou-se um fosso entre
estes dois grupos” e “em 2015
veriÆcou-se uma diferença de 20
pontos percentuais na propensão
para o voto” entre pobres e ricos.
Conclusão: “A desigualdade
económica é hoje um factor a ter em
conta na explicação da participação
eleitoral em Portugal”.
A seguir, fui ler o ensaio de André
Freire no livro As Eleições
Legislativas e Presidenciais
2005-2006 — Comportamento
Eleitoral e Atitudes Políticas dos
Portugueses (edição Imprensa de
Ciências Sociais, 2009), com
Coffee Break
Bárbara Reis
organização de Marina Costa Lobo e
Pedro Magalhães. É aí que o
investigador mostra que o perÆl dos
eleitores do PCP é idêntico ao dos
do PS em vários critérios menos em
três: os comunistas são menos
religiosos, mais sindicalizados e têm
um estatuto socioeconómico mais
baixo. São mais pobres.
É também aí que Freire diz que “o
voto dos portugueses está
fracamente ancorado na estrutura
de clivagens sociais (classe social,
religião, região, habitat)”, um “traço
que remonta [à] transição para a
democracia e às estratégias dos
partidos nessa fase fundacional”.
Esta ideia também é dita por todos
com quem falei: a classe social tem
pouco peso no voto, a importância
do nível de rendimentos é ténue e
difusa no voto, todos os partidos
recolhem votantes de diferentes
extractos sociais e os eleitores do PS
e do PSD são parecidos e ambos
muito heterogéneos.
Como estamos 20 anos depois? O
único estudo recente que encontrei
sobre comportamento eleitoral é de
Alexandre Afonso e Fabio Bulfone
(Electoral Coalitions and Policy
Reversals in Portugal and Italy in the
Aftermath of the Eurozone Crisis,
2019). Sugiro a leitura do quadro
quatro. Os autores usam o esquema
de classes moderno de Daniel
Oesch. Em vez de ricos e pobres,
analisa-se a sociedade em
trabalhadores produtivos,
pequenos empresários,
trabalhadores de serviços,
administrativos, gestores,
proÆssionais socioculturais,
proÆssionais técnicos e
proÆssionais por conta própria. Aí
aprendi que 33% dos eleitores são
operários (obras, carpinteiros,
mecânicos) e que os operários
votam em todos os partidos. São
43% do PCP, 39,6% do PS, 26% do
PSD/CDS e 20,9% do BE. Os
trabalhadores de serviços
(empregados de limpeza e mesa)
são 21,5% e votam em todos: são
25% do PCP, 22,4% do PS, 20,6% do
PSD/CDS e 14% do BE. O mesmo nos
gestores: são 6,2% do total e são 8%
do BE, 7,9% do centro-direita, 4,8%
do PS e 4,6% do PCP. É giro dizer no
Parlamento que o PS se alimenta
dos pobres. Mas não cola.
É verdade que “os pobres”
votam no PS?
Há duas formas de
olhar para isto:
analisar a linha de
raciocínio e olhar
para os factos