ípsilon | Sexta-feira 1 Novembro 2019 | 19
Yves Scherer. “É a nossa primeira
feira”, confessa Duarte Sequeira,
“pelo que esta participação é a opor-
tunidade de sair do contexto euro-
peu.” A galeria, que abriu em Março,
optou por produzir um “stand cura-
torial”, concentrando-se “nas práticas
digitais que propiciam a criação de
arte”.
De Ponta Delgada veio a Fonseca
Macedo, “o que faz sentido, porque
estamos a meio caminho entre a Eu-
ropa e a América do Norte e porque
existem aqui muitas famílias que emi-
graram dos Açores”, diz a directora
Fátima Mota, acrescentando que
“não tinha noção do perfil do colec-
cionador que iria encontrar, mas há
sempre um primeiro passo para esta-
belecer pontes e como em tudo há
um momento que é de risco.”
Os artistas de quem trouxe obras
(Isabel Madureira Andrade, José Lou-
reiro e Graham Gussin), para além de
Sandra Rocha e Vasco Barata, repre-
sentados na exposição, “não são re-
conhecidos aqui”, mas existe uma
grande sedução não só à volta da arte,
como da geografia da ilha e o seu po-
sicionamento em relação ao resto do
país.
É isso. Comercialmente as expe-
riências não terão sido uniformes.
Mas o balanço do foco português só
pode ser positivo. Que o diga Jesse
James do festival Walk&Talk dos Aço-
res. Eles, e a Carpem Diem, são orga-
nizações não lucrativas. Por isso
mesmo permitiram-se um outro tipo
de participação. “Conheci Daniel Fa-
ria e Rui Amaral há uns tempos e
demo-nos bem. Eu nasci aqui, mas
voltei para os Açores e estou lá a fazer
um projecto. E eles estão cá. Ficou
sempre a pairar essa ideia de colabo-
rarmos. Este ano Nadia Belerique,
que é representada pelo Daniel Faria,
foi ao Walk&Talk, e, entretanto, sur-
giu o convite do Rui para virmos aqui.
metade do século XX, que é impor-
tante. É preciso mostrar isso, até por-
que estes artistas já são influenciados
por essas gerações. Acontecimentos
como este são a oportunidade de di-
zer que há estruturas, instituições, de
Serralves à Gulbenkian ou Culturgest,
e artistas que operam num contexto,
que importa desenvolver. Dessa
forma aumenta a curiosidade.”
Uma curiosidade aproveitada por
galerias como a portuense Kubik,
com o galerista João Azinheiro a mos-
trar-se satisfeito. “Temos seis artistas
no stand (Flávia Vieira, Pedro Vaz,
Sérgio Fernandes, Felipe Cohen,
Emmanuel Nassar, Hernâni Baptista)
e de todos vendemos peças”, diz,
enunciando que o Canadá e a Amé-
rica do Norte são mercados que lhe
interessam — “daí termos estado tam-
bém em Miami dois anos seguidos,
ou no México recentemente” — em-
bora sugira que os grandes coleccio-
nadores viajam por todo o mundo.
“Ontem tivemos uma venda do Pedro
Vaz e o coleccionador tinha visto o
trabalho dele na SP-Arte de São Paulo.
Na altura, não adquiriu, reencontrou-
nos e comprou.”
Algo semelhante diz Miguel Rios da
Uma Lulik. Embora qualificando o
mercado canadiano como “difícil”,
mostrava-se satisfeito. “Trouxemos
obras da AnaMary Bilbao, do Paulo
Lisboa e Henrique Pavão, e temos
tido óptima receptividade”, concede,
enquanto o director da 3+1, Jorge Vie-
gas, destaca o interesse de coleccio-
nadores e do público em geral. “Assu-
mem que conhecem pouco, mas
confessam-se surpreendidos com o
nível e querem saber mais sobre o
trabalho da Rita Ferreira, da Claire de
Santa Coloma, do Carlos Nogueira e
do Nuno Sousa Vieira, que pertencem
a diferentes gerações.”
De Braga, veio a Duarte Sequeira,
com trabalhos de Petra Cortright e
À esquerda,
uma das obras
de Flávia
Vieira e à
direita de Rita
Ferreira,
ambas em
exposição
no contexto
do foco
português
em Toronto
O director do
festival
Walk&Talk,
Jesse James,
ladeado por
Maya Saravia
e Horácio
Frutuoso, no
stand-
-instalação
que os dois
artistas
conceberam
“Há uma visão muito
progressista, com
trabalhos que
denotam uma visão
internacional,
levantando questões
políticas e
interrogando onde
estamos
socialmente”
Mia Mielsen,
directora da 20º Art
To ro n to
adianos avisam:
mos de olho na
portuguesa!
No início não fez sentido. Interessa-
nos a criação, não a comercialização.
Mas ele argumentou que sendo Por-
tugal o foco existia um outro ecossis-
tema que era importante mostrar. E
aí, dissemos, ok.”
Importava, depois, perceber como
se poderiam mostrar, tendo convi-
dado dois artistas (Maya Saravia e
Horácio Frutuoso) que já passaram
pelo festival, “e que são como famí-
lia”, para conceberem um projecto
colaborativo. “A Maya, sendo da Gua-
temala, viveu sete anos em Madrid,
agora está em Berlim, e já passou por
Lisboa, onde expôs na Balcony, e tem
uma relação forte com artistas de lá.
De alguma forma é portuguesa.”
Maya Saravia é representativa de
uma rede de afectos internacional sob
a qual o festival se constrói e, ao
mesmo tempo, no seu trabalho tem
desvendado os corpos que ocupam
hoje Lisboa e lhe criam uma nova vi-
bração. “O corpo negro ganha espaço
e é na rua que ele se exprime, mas
depois tudo isso tem uma influência
e uma relação profunda na forma
como outros artistas estão a construir
os seus trabalhos”, reflecte Jesse, “daí
que nos interessou intersectar isso
com um trabalho sobre a língua, a
palavra, as ideias em circulação, a
emigração, a transferência.” E acaba-
ram por criar uma instalação-stand.
Que era também bar. “A Maya, nos
últimos projectos, criou lugares de
encontro e como queríamos algo ex-
periencial, da ordem do estar, pare-
ceu-nos bem que criar um bar.” A
seguir, surgiu a questão do que faria
sentido levar para um bar, numa ci-
dade singular, “onde existe a relação
com a diáspora, a percepção sobre os
imigrantes, ideias de identidade, e de
que forma se vão transferindo.” E lá
estão serigrafias, poemas visuais, ví-
deos e garrafas de cerveja portugue-
sas. “Há muitos portugueses que
À esquerda,
o curador João
Ribas. Aqui
uma das peças
de Claire de
S. Coloma em
exposição na
mostra de arte
contemporânea
nhecido”, diz Ribas, com Jonathan
Uliel Saldanha. “Um utilizava o vídeo
nos anos 80 e o outro fá-lo hoje, sendo
interessante perceber a diferença de
meios mas os interesses semelhan-
tes.” Nas visitas, faz questão de abor-
dar os “períodos de transição”, o
“desenvolvimento do mercado” e o
papel de “algumas instituições.” O
interesse geral em torno de Portugal
deve servir também de ponto de par-
tida para afirmar a arte. “Temos ins-
tituições e uma produção cultural,
principalmente a partir da segunda
quando vêem as cervejas de uma
marca que conhecem, perguntam
logo se podem beber. Explicamos que
não e acabamos por falar do projecto
por essa via. Por outro lado, os outros
visitantes conceptualizam o projecto
e querem comprar o que vêem. Per-
guntam-nos: ‘Quanto é? Posso com-
prar?’ Até os espelhos da Ikea querem
adquirir.”
Eles dizem que não estão a vender
nada e dessa forma a comunicação
estabelece-se. Porque não vendem?
O que é isto? De onde são? A sério, de
Portugal?
O Ípsilon viajou a convite da
Embaixada do Canadá em Portugal