Freud e seus Fantasmas - Rafael Rocha Daud

(Antfer) #1

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São, portanto, sonhos cujo conteúdo manifesto é
desagradável, mas cujo conteúdo latente constitui, como todo
sonho, a realização de um desejo.


Outra situação que pode nos deixar em dúvidas quanto
a que o sonho seja uma realização de desejo são os sonhos
em que coisas ruins acontecem a pessoas de quem gostamos
muito. Tal é o caso, por exemplo, de sonhos em que membros
de nossa família morrem. Dificilmente poderíamos dizer que
esses sonhos são a realização de um desejo, mas de fato o são.
Se pudermos, com alguma coragem, como Freud teve, analisar
tais sonhos e as emoções que eles acompanham, veremos que
não nutrimos, pelas pessoas especiais de nosso convívio e de
quem tanto gostamos, apenas sentimentos positivos. Junto
com esses misturam-se também sentimentos negativos e junto
com todo amor há uma parcela de ódio e até mesmo desprezo.


Não é incomum que justamente em relação às pessoas
que nos são mais próximas e em relação a quem nutrimos
o maior amor e respeito não sejamos capazes de reconhecer
também a parcela de desagrado que essas pessoas nos causam e
é justamente nessas situações que teremos sonhos como esse. A
realização de desejo aí significa a expressão da ambiguidade do
nosso afeto: por mais que gostemos de alguém, também temos
nossas ressalvas em relação a essa pessoa, nossa desconfiança,
às vezes certa rivalidade ou inveja e, finalmente, até mesmo
ódio. Que esses sentimentos negativos não sejam prevalentes,
ou seja, tenham pouca importância diante do amor que
sentimos, não impede que também necessitem de alguma
expressão e se evitamos, com alguma razão, dar-lhes expressão
consciente, então o inconsciente se encarrega disso e é por essa
razão que sonhamos coisas desagradáveis e mesmo terríveis
acontecendo a essas pessoas. Não devemos exagerar esses
sentimentos ruins apenas porque aparecem num sonho, mas
também seria equívoco ignorá-los completamente, fingindo

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