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externamente a si, fazendo o carretel desaparecer e reaparecer
como acontecia com sua mãe, ele se tornava participante ativo
nessa experiência: deixava, portanto, de ser o objeto passivo
que era abandonado e recuperado por ela, mas o agente
dessa separação, que podia, à vontade, fazê-la desaparecer e
retornar. Essa representação, simbolização, processada pelo
ato de repetir a experiência, permitia ao pequeno suportar
aquele trauma e em alguma medida, ou seja, simbolicamente,
ter controle sobre ele. Deixava de ser a vítima para se tornar
o responsável.
Com isso, Freud pôde dar-se uma explicação satisfatória
para o que acontecia com aqueles pacientes retornados do front
de batalha que havia tratado. Eles repetiam infindavelmente a
experiência traumática na tentativa de elaborá-la, na tentativa
de aproximar-se dela no sentido de não mais ser a vítima,
mas o responsável. É claro que as condições em que se dão
as guerras, inclusive pelo fato do alistamento obrigatório, que
faz com que as pessoas sejam obrigadas a matar ou arriscar
serem mortas por valores ou objetivos que não são diretamente
seus ou com os quais não estão de acordo – é preciso lembrar
que, antes da guerra, as nações em guerra não eram nações
inimigas, mas vizinhas, havendo relações amistosas e laços
afetivos entre pessoas de todos os países depois envolvidos
no conflito – tudo isso faz com que o processo de elaboração
dessa experiência traumática em particular seja extremamente
difícil e custoso e às vezes não chegando a qualquer resultado.
Por isso é que aqueles soldados não repetiam, como o neto de
Freud, com prazer suas experiências traumáticas, mas com
dor e com horror. Infindavelmente.
“As condições em que se dão as guerras fazem com
que o processo de elaboração dessa experiência
traumática em particular seja extremamente difícil e
custoso, e às vezes não chega a qualquer resultado.”