Folha de São Paulo - 19.10.2019

(Ron) #1

ilustrada


aeee
Sábado,19dEoutubrodE2019 C1


  • BrunoMolinero


SãoPauloSãodois ônibus e
metrô, em quase uma hora
emeia,paraqueoanalista
de sistemas LucasRosa, 29 ,
completeocaminho de sua
casaatéotrabalho.DoTu-
curuvi ao Itaim Bibi, ou seja,
dazona nortedeSãoPaulo à
zona oeste, só umacoisa não
muda no trajeto: elenão ti-
ra os fones de ouvido jamais.
“A ntes escutavaaminha
playlistdemúsicas, mas des-
de oano passado só ouçopod-
casts.Otemporende mais”,diz.
Noseucelular,oprogramafa-
voritoéoNerdcast.
Como surgemprojetosno-
vostodos os dias,édifícilcal-
cular quantos podcastsexis-
temhoje no Brasil.Mas aAb-
pod, queéaAssociaçãoBra-
sileirade Podcasters, estima
que sejammaisde 3. 000 .E
esse crescimentovem soan-
docomo músicaparaosou-
vidos de outrosetor:omer-
cadoeditorial.
SegundoapesquisaPainel
doVarejo de Livros no Brasil,
aindústria de livros viu seufa-
turamentocair 14 , 5 %, secom-
pararmosoprimeirosemes-
trede 2019 comode 2018 .Is-
sofezcom queeditoras pas-
sassemabuscar outras saídas
—entreelas,oaudiolivro, que
viviaumsilêncioquasebudis-
taaté poucos anosatrás.
“A splataformas de strea-
mingeospodcasts são portas
de entradaegeramohábito
de ouvir não só audiolivros,
mas outrosconteúdosem áu-
dio,comosériesedocumen-
táriossonoros, porexemplo”,


diz Flavio Osso,umdos funda-
dores da Ubook,plataforma
quereúne maisde 380 miltí-
tulos em áudioetextodecerca
de 250 editoraseprodutores.
Mais que umasensação,al-
guns dados sustentam que o
mercado estáemexpansão
no Brasil.AUbook, criada em
2014 ,recebeu nesteano um in-
vestimentodeR$ 20 milhões
eplaneja abrir seucapital na
bolsa devalores deToronto
em janeirode 2020.
Nesteano,aempresa viu
concorrentes surgirem. Uma
parceria entreaseditorasRe-
cord,Intrínseca eSextante cri-
ou em junhoaAutiBooks,que
atualmente contacomcerca
de 200 títulosejávendeu mais
de 37 mil audiolivros.
Nomês passado,asueca Sto-
rytelestreounoBrasilcom
conteúdos sonoroseaudio-
livros de peso,caso de “O Pe-
quenoPríncipe”, narrado por
Marcelo Tas, edasaga“Harry
Potter”,previstaparaoprimei-
ro semestredoano quevem.
Oque escutamos no Bra-
sil, porém, nãoéalgoisola-
do—estámaisparaumeco
da Europaedos Estados Uni-
dos.Nesteano,por exemplo,
aFeiradoLivrodeFrankfurt,
omais importanteeventodo
gênerodomundo,tem um es-
paçode 600 m² somentededi-
cadoaaudiolivros, podcasts e
projetos paraserem ouvidos.
Além disso,noano passado,
MarkusDohle, diretor- execu-
tivodaPenguin Random Hou-
se, maior grupoeditorial do
mundo,afirmou queofutu-
ropertenceaos audiolivros,
enão aos ebooks.Deacordo

comele, em seteanos, mais
de 50 %das vendas digitais da
companhia virão do áudio.
Segundo as plataformaseas
editoras,ootimismo brasilei-
ro vemsobretudo de dois pon-
tos: apossibilidade de escutar
oconteúdo em qualquercelu-
lareachancedeatrair quem
nãogostadeler,mas que está
abertoaboas histórias.
“Issoéainda maisevidente
quandofalamos doBrasil. Hoje
temos mais smartphones que
habitantes e, além disso, boa
parte das cidades nãotemli-
vrarias ou bibliotecas”, anali-
sa ClaudioGandelman,dire-
tor- executivodaAutiBooks.
Masaperguntaque inevita-
velmentesurge é: oquantoda
moda dos podcastsedaapos-
ta em audiolivroséumcanto
da sereiacomoodos livros pa-
ra colorir,queenfeitiçaramo
mercadoeditorial em 2015?
OespanholJavierPiñol, di-
retordoSpotifyStudios na
AméricaLatina, acreditaque o
que escutamos nãoéuma mi-
ragem. Segundoele, omerca-
do de áudio não estápertodo
tetoe, em poucotempo, 20 %
dos títulos da plataforma, que
chegou ao Brasilem 2014 ,se-
rá deconteúdo não musical.
“O crescimentoparecesus-
tentável porqueointeresse
pelarádiosempreexistiu.Fo-
ra isso,hojetodo mundotem
umcelulareumarotina ocu-
pada.Oáudioforneceuma
complexidade de sensações,
masrequer menoscompro-
misso queovídeo”,diz Piñol.
Emboranãoexistauma
ofertaconsistentedeaudio-
livrosem português no Spo-

tify, oexecutivodiz queapro-
duçãoéuma prioridade para
os próximos anos. “Queremos
seraprincipalplataforma de
áudiodo mundo,por issoter
audiolivroséuma obrigação.”
Renan Cirilo Alves, vice-pre-
sidentedaassociaçãodepod-
casters,afirma queasustenta-
bilidade dessa onda passa pe-
la profissionalizaçãodosetor.
“Vemos uma virada no perfil
do produtor,que estátrans-
formandoohobbyempro-
fissãoeseaperfeiçoando não
só napartetécnica, mastam-
bém nagestão do negócio.”
Mas, para se tornar umaati-
vidadeeconômicarealmente
viável, essa profissionalização
vaiprecisar seduzir efideli-
zar seus ouvintes. Ainda não
se sabe muitobem queméo
consumidor de audiolivros
no Brasil. Mas, quandooas-
sunto épodcast,algumas pis-
tasjácomeçamasurgir.
Uma pesquisafeitanoano
passadopela Abpodcomcerca
de 22 milpessoasapontaque
oouvintepadrãoéalguém
como LucasRosa,oanalista
de sistemas que escutapod-
caststodos os dias nocami-
nho paraotrabalho: homem,
de 23 a 29 anos, solteiroecom
ensino superiorcompleto.
No caso específicodos au-
diolivros, as plataformas adi-
cionam mais umacaracterís-
tica—essa pessoatambém é
não leitoradelivros em papel.
“Parasetornar uma plata-
forma de massa, precisamos
ultrapassaroslimites do mer-
cado de livros físicos.Até por-
queoleitor de papel dificil-
mentevai querer mudar de

Falaqueeuteescuto


Onda de podcasts fazplataformaseeditoras apostaremnocrescimento do interesse


por audiolivros no Brasileverem noformato um pequeno alívio paraacrise no setor


formato.Aestratégiaéofere-
cerumleque grande deconte-
údoseusaropodcast, quejá
éumformato maisaceito, co-
mo primeiro passoparaque o
usuário escuteoutrascoisas”,
acreditaAndré Palme,geren-
te da Storytel no país.
Oque nemsempre éfácil.
“Prefiro podcasts porque eles
agregam algumacoisa.Seeu
quiser entretenimento, vouou-
vir música”,contaLucasRosa.

Temosqueaprender


anavegarnomundo
repletodeconteúdo

depoimento


  • Bia Alves
    Gerentedevendas da HarperCollins
    Publishers Estados unidoseInglaterra, é
    integrantedopodcastas desqualificadas


Eu morosozinha em um apar-
tamentode 47 m²comlivros,
discosecincocaixasde som,
alémdofonedeouvidoque
não saidomeu pescoço,como
umcolar.Tem sempre um pod-
cast ou um audiolivrotocando.
Se você nãoacreditaemuma
millennial de 31 anos,temmui-
ta pesquisacomprovando que
nãosouaúnica.NoBrasil,até
amaioremissoradeTVresol-
veugerar conteúdo em áudio.
NaúltimaPrimaveraLite-
rária,em outubronoRio de
Janeiro, faleicomoZacarias,
um professor de escola públi-
ca de uns 70 anos.Passeando,
ele ouviunossaroda de discus-
sãosobrepodcastseficouin-
trigado prasaber mais,escu-
tarconteúdoem áudio e, quem
sabe,ter seupróprio podcast.
Oaudiolivronos Estados
Unidoséamídia digitalque
crescemaisrapidamenteno
mundo literário. Edápra per-
cebercomooBrasil estáque-
rendo sergrande nesse negó-
cio,com, por enquanto, três
empresas brasileiras, uma su-
ecaeoutracanadense —além
de muitosrumores de queno-
vosconcorrentes ainda surgi-
rãoecomeçarãoavender li-
vros em áudio antes que 2019
encerremaisuma década.
Euficomaravilhada em pen-
sar que as pessoashoje já po-
dem ouvir“Macunaíma” pelo
celular. Também“Game of Th-
rones”,umlivro decontosda
BiancaSantana,uma história
infantilcomosfilhos, treinar
os ouvidoscomumromance
em inglês. Escovar os dentes
ouvindo notíciasouescutar
umaroda deconversas sobre
depressão oucoletor mens-
trual enquantolavamalouça.
Ler livroséumaexperiência
muitosolitária, masoconteú-
do em áudio pode serconsu-
mido no metrô, emcasa, no
carro... Namaioria dasvezes, a
preferênciaéouvir enquanto
se fazalgumaoutraatividade
—eeu amo essa sensação de
produtividade dobrada.
Já pensou na intimidadeque
éouviravozde alguém entran-
do pelosouvidos,escutar so-
taquesdiversoseuma risada
contagiante, chorarcomal-
gumrelato,ter aquele arre-
pioquete fazacenderaluz
do quarto?Atéhojeficoater-
rorizadaaoouviroTonyRa-
mos porque ele narravaabru-
xa na história da Branca de Ne-
ve no meu vinil laranja quete-
nhoatéhojecomo lembrança
do meu primeiro audiolivro.
Oque mais ouçoéamigo
dizendoque nãoconseguese
concentrarcomconteúdo em
áudio. Eurebato:mas você está
comdificuldadedeseconcen-
trar de modogeral? Aresposta
geralmenteéumacuado sim.
Ainformação chegadetodos
os lados,naTV, nasredes so-
ciais,emséries.Vamosterque
aprenderanavegarcomsabe-
doria nesse mundo quetem
maisconteúdodoque pode-
mosconsumir em três vidas.
Mas me permiteuma suges-
tão? Começa dando um play
emum podcast curtinho,sem
compromisso.Vocêvai ver, lo-
gologoestarápartindo para
12 horasdeaudiolivroe,no
fimdomês,vaiestartotal-
mente entregueaovício —as-
simcomo eu, dando playan-
tesdeabrirochuveiro, sem
uma louçasujanapia.

podCasts e
audiolivros
no brasil

Quemescuta
podcasts?
Segundo
pesquisa
feitaem2 018
pelaAbpod,
associação do
setor,oouvinte
brasileiro
éhomem
(84,1%), tem
entre 23 e29
anos(35,3%),
ésolteiro
(56,2%),com
ensinosuperior
(32,7%)efaz
parte das
classesAe
B(69,1%)

Quais sãoos
audiolivros
mais ouvidos?
Geralmenteos
de não ficção e
de autoajuda.
Na Auti Books,
os campeões
de downloads
são ‘Sapiens’
(trechodo
livro c ompõe
ailustração
acima), ‘Mind-
set’e‘OPoder
do Hábito’

temmais
genteem
busca desses
conteúdos?
Não há pes-
quisa nacional
sobre podcasts
eaudiolivros
juntos. Mas as
plataformas
dizem que
sim.OSpotify
afirma que
aaudiência
de podcasts
crescemais
de 50%acada
três meses
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