estava inchado. Peguei no meu cobertor e fui até à estação central onde uma
família de ciganos Kalderash se instalara no exterior das casas de banho, à
espera de conseguirem viajar para ocidente. Falei com o mais velho dos
rapazes. Ele contou-me que o homem que nós pensávamos ser um schlepper
era o chulo local que frequentava a zona da estação; tinha oferecido ao pai
dele trinta zloty pelos seus dois filhos mais novos. Mostrei ao rapaz o meu
cobertor. Era grosso e estava em boas condições, e fora roubado de uma corda
da roupa em Lublin. Gostou dele. Dentro de pouco tempo seria Dezembro.
Pedi para que ele me mostrasse a sua faca. Ele guardava-a dentro da camisa.
– Como é que sabia que ele tinha uma faca?
– Todos os ciganos têm facas. Usam-nas para comer. Nem os membros da
mesma família partilham os talheres; podem apanhar uma marime , uma
infecção. Mas ele fez um bom negócio. A faca era pequena e estava
embotada. Por sorte, consegui afiá-la no ferreiro que trabalhava na oficina da
estação.
Raskol passou a unha longa e pontiaguda da mão direita pela cana do nariz.
– Nessa noite depois de Stefan entrar no carro, perguntei ao chulo se ele
também me arranjava um cliente. Ele sorriu e disse que eu devia esperar.
Quando voltou, fiquei na sombra debaixo da ponte a observar os comboios a
entrarem e a saírem da estação. «Vem cá, Sinto^7 », gritou ele. «Tenho um bom
cliente. Um homem rico do partido. Vamos, não temos muito tempo!» Eu
respondi: «Temos de esperar pelo comboio de Cracóvia.» Ele aproximou-se
de mim e agarrou-me o braço. «Tens de vir agora, percebeste?» Eu chegava-
lhe ao peito. «Ali está ele», disse eu e apontei. Ele soltou-me e ergueu os
olhos. Um cortejo de vagões de aço negro passou sobre os nossos rostos
pálidos, enquanto olhávamos para cima. Depois o momento pelo qual eu
esperara chegou. O arranhar de aço contra aço quando os travões frearam.
Aquilo afogou todos os outros sons.
Harry semicerrou os olhos, como se assim fosse mais fácil ver se Raskol
estava a mentir.
– Quando os últimos vagões passaram lentamente, vi uma mulher a olhar
para mim por uma das janelas. Parecia um fantasma. Como a minha mãe.
Levantei a faca manchada de sangue e mostrei-lha. E sabe uma coisa, Spiuni?
Foi a única altura na vida em que me senti verdadeiramente feliz. – Raskol
fechou os olhos como se para reviver o momento. – Koke per koke . Cabeça
por cabeça. É essa a expressão dos albaneses para vingança de sangue. É a
melhor e mais perigosa das drogas que Deus deu à humanidade.