Vingança a Sangue-Frio

(Carla ScalaEjcveS) #1

– A vida que levava. A maneira como era. Tinha sorte em ser assim... tinha
mesmo.


– E você não gostava disso?
– Eu... não sei. Não, talvez não gostasse.
– Porque não?
Astrid Monsen olhou para ele. Durante muito tempo. Um sorriso
tremeluzia-lhe nos olhos como uma borboleta inquieta.


– Não é aquilo que está a pensar – acabou por dizer. – Eu invejava Anna.
Admirava-a. Havia dias em que desejava ser ela. Ela era o meu oposto. Eu
fico enfiada aqui dentro, enquanto ela...


Os olhos desviaram-se-lhe para a janela.
– Ela não tinha quase nada e saía para a vida, era isso que Anna fazia. Os
homens iam e vinham, ela sabia que não os podia ter mas, de qualquer
maneira, amava-os. Não sabia pintar, mas de qualquer maneira exibia os seus
quadros para que o resto do mundo os pudesse ver. Falava com todas as
pessoas como se tivesse motivos para acreditar que gostavam dela. Comigo
também. Havia dias em que achava que Anna me tinha roubado o meu
verdadeiro eu, que não havia espaço suficiente para nós as duas, e que eu teria
de esperar pela minha vez. – Voltou a emitir a mesma risadinha nervosa. –
Mas depois morreu. E descobri que não era assim. Não posso ser ela. Agora
ninguém pode. Não é triste? – Olhou directamente para Harry. – Não, não a
odiava. Amava-a.


Harry sentiu o pescoço picar-lhe.
– Pode contar-me o que aconteceu na noite em que me encontrou no
patamar?


O sorriso apareceu e desapareceu como uma luz de néon em más condições.
Como se, ocasionalmente, surgisse uma pessoa feliz que lhe espreitava pelos
olhos. Harry teve a sensação de que uma barragem estava prestes a rebentar.


– Você era feio – sussurrou ela. – Mas de um modo atraente.
Harry ergueu uma sobrancelha.
– Hm. Quando me levantou, reparou se eu cheirava a álcool?
Ela pareceu surpreendida. Como se não tivesse pensado nisso
anteriormente.


–   Não.    Na  verdade,    não.    Não cheirava... a   nada.
Free download pdf