Vingança a Sangue-Frio

(Carla ScalaEjcveS) #1

em si mesmo. Quer-se infligir uma sensação de culpa naqueles que nos
falharam. Anna limitou-se a aumentar um pouco a parada. Além disso,
existem todos os motivos para acreditar que ela já não queria continuar a
viver. Estava sozinha, fora rejeitada pelos amantes e pela própria família.
Falhara como artista e recorrera à droga, mas isso não a ajudou. Era, em
resumo, uma pessoa profundamente decepcionada e infeliz que decidiu
premeditar um suicídio. E vingar-se.


– Sem quaisquer escrúpulos morais? – perguntou Harry.
– Claro que o ângulo da moralidade é interessante. – Aune cruzou os
braços. – A nossa sociedade impõe-nos o dever moral de vivermos e, assim,
condenamos o suicídio. No entanto, com a sua aparente admiração pela
antiguidade, Anna pode ter encontrado o seu apoio nos filósofos gregos, que
pensavam que todas as pessoas deviam escolher por elas mesmas o momento
da sua morte. Nietzsche também considerava que o indivíduo tinha o direito
moral de tirar a própria vida. Usava a palavra Freitod ou morte voluntária. –
Aune ergueu um indicador. – Mas ela teve de se confrontar com outro dilema
moral. A vingança. Considerando que professava ser cristã, a ética cristã
exige que não se cometa vingança. Logicamente que o paradoxo é os cristãos
adorarem um Deus que é o maior vingador de todos. Se O desafiarmos,
ardemos no inferno para toda a eternidade, um acto de vingança que é
completamente desproporcional ao crime, na minha opinião quase um caso
para a Amnistia Internacional. E se...


– Talvez ela apenas sentisse ódio?
Aune e Harry viraram-se ambos para Beate. Ela olhou-os com uma
expressão de medo, como se as palavras lhe tivessem saído por engano.


– Moralidade – sussurrou. – Amor pela vida. Amor. E, no entanto, o ódio é
mais forte.

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