Sentiu a náusea como uma espécie de dor de parto fraca, um feto que fosse
nascer pela boca. Engoliu em seco, mas a água corria-lhe das glândulas, a
olear o seu interior, a prepará-lo. Os campos, os edifícios e o court de ténis
começaram a girar. Enrolou-se, tentou esconder-se atrás da mulher polícia,
mas ela era demasiado pequena, demasiado transparente, apenas um véu de
vida delicado a tremer sob as rajadas. Agarrou-se à arma como se fosse essa
que o estivesse a manter de pé e não o contrário. Pressionou o dedo no
gatilho, depois esperou. Teve de esperar. Para quê? Para que o medo o
soltasse? Para que as coisas recuperassem o seu equilíbrio? Mas isso não iria
acontecer, apenas se limitavam a rodopiar e só paravam quando se
esmagavam no fundo. Estivera tudo em queda livre desde que Stine dissera
que ia partir, e o sangue que se lhe apressava nos ouvidos fora uma
recordação constante que o andamento estava a aumentar. Acordara todas as
manhãs a pensar que se devia ter habituado a cair, que agora o horror o ia
deixar, que o fim estava à vista, que atravessara a barreira da dor. Mas não era
verdade. Depois começara a ansiar para atingir o fundo rochoso, o dia em que
deixasse de se sentir assustado. E agora que conseguia ver o fundo, sentia-se
ainda mais assustado. O chão do outro lado da vedação metálica avançou na
sua direcção.
– Vinte e quatro.
A contagem estava a aproximar-se do fim. O sol incidia nos olhos de Beate,
ela estava no interior de um banco em Ryen, e a luz do exterior era ofuscante,
tornava tudo branco e duro. O pai encontrava-se ao seu lado, tão silencioso
como sempre. A mãe gritava de algures, mas estava muito distante, sempre o
estivera. Beate contou as imagens, os Verões, os beijos e as derrotas. Eram
muitas, ela estava surpreendida por serem tantas. Lembrava-se de rostos,
Paris, Praga, um sorriso sob uma franja preta, uma declaração de amor
proferida de modo desajeitado, um «Dói?», receoso e sem fôlego. E um
restaurante demasiado caro em San Sebastian, mas no qual reservara à mesma
uma mesa. Talvez afinal se pudesse sentir grata?
Despertara daqueles pensamentos quando a arma lhe tocou a testa. As
imagens desapareceram e havia apenas a tempestade de neve branca,
crepitante, no ecrã. Perguntou-se: Porque é que o pai apenas ficava ao meu
lado? Porque não me pedia nada? Ele nunca o fizera. E ela odiara-o por isso.
Será que não sabia que era a única coisa que ela desejava, fazer alguma coisa
por ele, qualquer coisa? Ela caminhara por onde ele caminhara mas quando
encontrara o assaltante do banco, o assassino, o homem que criava viúvas e
quisera dar ao pai a sua vingança, a vingança deles, ele ficara ao lado dela, tão
silencioso como sempre, e recusara.