O
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O Astronauta
velho fez Harry pensar num astronauta. Os passos curtos e cómicos,
os movimentos rígidos, os olhos negros, mortos, e os sapatos a arrastar pelo
chão de parquet . Como se tivesse medo de perder o contacto com o solo e
afastar-se a flutuar pelo espaço.
Harry olhou para o relógio na parede branca acima da porta. 15h16. No
exterior, na Bogstadveien, viu pelo vidro as multidões de sexta-feira a
avançarem apressadas. O sol baixo de Outubro reflectiu-se no espelho lateral
de um carro que passava, acelerado, na hora de ponta.
Harry concentrou-se no velho. Chapéu, sobretudo cinzento e elegante que
precisava urgentemente de uma limpeza. Debaixo dele, casaco de tweed ,
gravata e calças cinzentas puídas com um vinco afiado como uma agulha.
Sapatos engraxados, até ao calcanhar. Um daqueles reformados de que
Majorstuen parecia estar cheia. Aquilo não era uma conjectura. Harry sabia
que August Schulz tinha oitenta e um anos, e era um antigo vendedor de
roupa que vivera toda a vida em Majorstuen, exceptuando um certo período
de tempo durante a guerra que passara em Auschwitz. E os joelhos rígidos
eram o resultado da queda numa ponte pedonal em Ringveien, que ele
utilizava nas visitas diárias à filha. A sensação de um boneco mecânico era
aumentada pelos braços perpendicularmente dobrados nos cotovelos e
espetados para a frente. Uma bengala castanha pendia-lhe no antebraço direito
e a mão esquerda segurava uma esferográfica com o logótipo do banco, que
estendia ao jovem de cabelo curto na caixa n.º 2. Harry não conseguia ver o
rosto do caixa, mas sabia que ele estava a olhar para o velho com um misto de
simpatia e irritação.
Eram agora 15h17 e chegara, por fim, a vez de August Schulz.
Stine Grette estava sentada na caixa n.º 1, a contar 730 kroner noruegueses
para um rapaz com um boné de lã azul que acabara de lhe entregar um
cheque. O diamante no anelar da mão esquerda brilhava enquanto ela
colocava cada nota em cima do balcão.
Harry não a conseguia ver, mas sabia que em frente da caixa n.º 3 estava
uma mulher a empurrar um carrinho de bebé, provavelmente para se distrair
já que a criança dormia. A mulher estava à espera de ser atendida por fru