Público - 14.10.2019

(Barry) #1

22 • Público • Segunda-feira, 14 de Outubro de 2019


ECONOMIA


Carlos Costa e Elisa Ferreira foram
confrontados, em reunião do Banco
de Portugal de Março de 2018, com o
comentário de João Talone de que o
Montepio “se assemelhava a um
esquema Ponzi”, comparável ao BES.
Uma denúncia que agitou a cúpula do
supervisor.
No final de Março de 2018, dois
membros do conselho consultivo do
Banco de Portugal (BdP), João Talone,
indicado pelo Governo, e João Costa
Pinto, na qualidade de presidente da
comissão de auditoria, colocaram o
governador Carlos Costa e a ainda
vice-governador Elisa Ferreira peran-
te um tema fora da agenda da reu-
nião: a relação do Banco Montepio
(BM) com a Associação Mutualista
Montepio Geral (AMMG). E fala mes-
mo num “esquema Ponzi [ sic ]”. O
assunto, de tão delicado que era, fez
faísca: Talone sugeriu a interrupção
imediata da venda de produtos de
subscrição mutualista aos balcões do
banco; Elisa Ferreira perguntou se
pretendia que “picasse a bolha”.


Um tema fora da agenda


Na manhã de 28 de Março de 2018, a
antiga sala do conselho de adminis-
tração do BdP, no segundo andar da
sede na Baixa lisboeta, onde tradi-
cionalmente se reúne o conselho
consultivo, foi palco de uma cena
inédita para os padrões do BdP. Um
episódio testemunhado pelos conse-
lheiros e conÆrmado ao PÚBLICO
por várias fontes e não desmentido
por protagonistas. A reunião desti-
nava-se a aprovar as contas de 2017
do supervisor.
De tão delicado que era o assunto
Montepio, o BdP nunca o submeteu
à avaliação dos conselheiros, pelo
menos desde Janeiro de 2017, quando
o Estado nomeou João Talone, Fran-
cisco Murteira Nabo, Francisco Louçã
e Luís Nazaré para o representar. Mas
na manhã daquela quarta-feira, Ænal-
mente, e pela primeira vez, entrou na
discussão, mas por impulso de João
Talone (Louçã e Nazaré estavam no


João Talone e Costa Pinto confrontaram cúpula do Banco


de Portugal. Talone sugeriu a interrupção imediata da venda


de produtos de subscrição mutualista aos balcões do Montepio


Elisa Ferreira, vice-governadora em funções em 2018, e Carlos Costa, gov

estrangeiro), que recebeu a ajuda
inesperada de João Costa Pinto (ali
por inerência, dado presidir à comis-
são de auditoria do BdP). A reunião
contou com mais um protagonista: a
vice-governadora. Como sempre
acontece nestas reuniões, cabe ao
administrador com a tutela da super-
visão Ænanceira, à época Elisa Ferrei-
ra, comentar a evolução do sistema
Ænanceiro. E foi o que se passou.

As dúvidas de Talone
Só que, desta vez, a meio do discurso,
João Talone pediu a palavra. E inter-
pelou directamente Elisa Ferreira e o
governador, Carlos Costa, sobre o
relacionamento do Banco Montepio
com o seu accionista de controlo
(com quase 100% do capital), a Asso-

Na intervenção,


Costa Pinto


acabou


a classiÄcar
o que se passava

na mutualista


de “situação


escandalosa”


Banca


Cristina Ferreira


Discussão acesa no BdP


associou Montepio ao caso BES


vindo a recolher muita informação
sobre a matéria”.
Porém, o que João Talone procura-
va ilustrar era um quadro explosivo
(do grupo cheÆado por Tomás Cor-
reia), a caminhar para um cenário de
“ilegalidade” em que o emissor de
dívida vende títulos para pagar os
encargos da dívida anterior. Dirigin-
do-se novamente a Elisa Ferreira,
questionou-a: “O BdP não deveria
suspender de imediato a subscrição
de dívida [produtos Ænanceiros] da
AMMG vendida aos balcões do banco,
que serve para pagar resgates e juros
de subscrições anteriores que estão
a vencer?”
Nessa altura, o que alguns conse-
lheiros relatam é que Elisa Ferreira
defendeu que era preciso tratar do
assunto com pinças. Mas, para um
ex-vice-governador do BdP, valia a
pena aprofundar a questão. Foi quan-
do João Costa Pinto (actual gestor da
Fundação Oriente), que “raramente
se pronuncia, e quando o faz também
nunca sabemos o que é que ele vai
dizer, surpreendeu ao intervir para
desancar toda a gente”, recorda ao
PÚBLICO um dos presentes.

Costa Pinto questiona
A intervenção de Costa Pinto (ex-pre-
sidente do BNU e do Grupo Caixa
Agrícola) até se revelou mais incisiva,
pois acabou a classiÆcar o que se pas-
sava na mutualista de “situação
escandalosa”.
Ao contrário de Talone (ex-admi-
nistrador do BCP), que exibira núme-
ros arredondados, apresentou-os ao
milímetro. Costa Pinto clariÆcou que
“as novas subscrições já não vão ser-
vir apenas para pagar as anteriores,
e evitar rupturas. O programa de
colocação de produtos Ænanceiros
para 2018, se for completamente
cumprido, prevê uma entrada de
recursos superior às necessidades
estritas do serviço das emissões
anteriores. E a diÆculdade vai conti-
nuar a crescer”.
Com efeito, as diÆculdades anteci-
padas por Costa Pinto acabaram por
não se concretizar, porque as subscri-
ções programadas para 2018, de 1,078
mil milhões de euros, Æcaram longe

ciação Mutualista Montepio Geral
(AMMG), “por ser uma realidade que
se aproximava da do caso BES/GES”.
Um dos conselheiros evoca: “Carlos
Costa e a Elisa Ferreira manifestaram
ambos muita preocupação.”
O que os conselheiros não perce-
beram foi se, dada a gravidade do
assunto, Talone planeara abordar a
questão nos termos em que o fez ou
se resultou antes de um ímpeto de
momento, pois comentou: “O que se
está a passar no Montepio assemelha-
se a um esquema Ponzi, que se reben-
tar abrirá um buraco de mais de dois
mil milhões de euros.”
Foi quando Carlos Costa e Elisa
Ferreira embranqueceram, aÇitos — o
tema Montepio era um empecilho. E
quem terá dado o corpo às balas pelo
BdP foi a vice-governadora, explican-
do que “tinha consciência do proble-
ma e que os serviços do BdP tinham
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