claramente, que não é   possível    resolver    o   problema    com menos   de  dez
caixas. Sugere-nos  este    problema    nada    menos   de  sete    observações,    que só
poderão interessar  ao  matemático  e   ao  filósofo.   Desejo, entretanto, encerrar
esta    explicação, que já  se  vai tornando    um  pouco   longa,  citando,    apenas, uma
das sete    observações que decorrem    do  problema.   Para    os  números de  489 a
511,    apresenta   o   problema    duas    soluções.    Uassalã! ”
E   com essa    fórmula tão sonora  —    Uassalã!     —,  usual   nas despedidas  entre
os  árabes  do  deserto,    dava    o   calculista  por findo   o   seu discurso,   isto    é,  a
solução do  problema.
Vai agora   intervir    no  enredo  desta   história    um  novo    personagem. É   nosso
dever    apresentá-lo    ao  leitor.     Trata-se    do  famoso  Anauate     Abdala  Rezek
Abeid,  matemático  e   filósofo,   cuja    inteligência    e   cultura todos   admiravam.
Esse    ulemá   (ulemá  quer    dizer   sábio), esse    grande  ulemá   vivia   na  corte   de
Bagdá,   sob     a   incondicional   proteção    do  rei.    Os  árabes  mais    cultos
reconheciam nele    o   maior   matemático  do  Islã.   “É  um  portento!   É   um
colosso”,    diziam  todos.  E   tinham  razão.  O   velho   Anauate     merecia,    na
verdade,    o   honroso título  de  ulemá.  Suas    obras,  traduzidas  na  Grécia, eram
lidas   em  Roma    e   comentadas  e   discutidas  pelos   doutores    da  Espanha.
Achou   o   califa  que devia   ouvir   o   douto   Anauate e   interrogou-o    nestes
termos:
—   Que achas,  ó   preclaro    e   judicioso   ulemá   Anauate Abdala, da  resolução
que acabamos    de  ouvir?  Devemos considerá-la    completa,   impecável,  ou  está
vincada por alguma  falha   ou  sulcada pela    imprecisão? Interessa-me    ouvir   a
tua esclarecida opinião.
Interpelado desta   forma   pelo    monarca,    o   velho   Anauate Abdala  Rezek
Abeid   deixou  o   lugar   em  que se  achava, dirigiu-se  numa    atitude arrogante   e
insólita    para    o   centro  do  salão,  correu  com o   olhar   o   auditório   e,  numa    voz
áspera  e   dura    como    as  pedras  negras  do  deserto,    assim   falou:
—    Considero   deplorável,     profundamente   deplorável,     a   solução     que
acabamos    de  ouvir,  engendrada  pelo    calculista  persa   Beremis Samir.  O   nosso
visitante   formulou-a  em  termos  tão claros, tão simples,    que inutilizou  para
sempre  esse    magnífico   problema    das dez caixas, pondo-o,    através de  sua
explicação  elementaríssima,    ao  alcance até das inteligências   mais    acanhadas   e
