A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

nos levou o Carneiro de Mesquita, cujo aniversário da morte passou ontem.
Estamos só os dois e podemos dizer com os discípulos de Imaúz que está a cair
a tarde. Se não destinaste ainda o teu dia, não seria bem aquecer-nos à fogueira
antiga?», desafia o cardeal.


É por esta época que Adriano Moreira, então já livre do cargo de ministro do
Ultramar, de onde saíra anos antes desentendido com Salazar, visita o ditador
na residência oficial. O chefe do Governo soubera do noivado do seu ex-
governante e estranhara não lhe ter sido dita qualquer palavra sobre o
casamento anunciado. O embaixador José Nosolini recomenda a Adriano que
tenha, então, essa deferência com o homem de Santa Comba. «Assim fiz sem
esforço, e recebi um convite para a visita com a Mónica, que ele gostaria de
conhecer», assinala o professor nas suas memórias.
No dia aprazado, Adriano e a futura mulher apresentaram-se em São Bento.
Arrumado o carro no jardim, foram atendidos por uma jovem empregada, «bem
fardada», sendo encaminhados para a porta principal, onde eram esperados.
Salazar surgiu diante do casal «rigorosamente vestido e calçado, porque se
tratava de receber uma senhora».
A conversa entre ele e Isabel Mónica prolongou-se por cerca de uma hora.
Adriano assiste calado às perguntas de Salazar sobre a família, interesses e
projetos de vida. No final, acompanhou-os à saída, abrindo a porta do carro à
futura senhora de Adriano Moreira, como um qualquer gentleman. Um
despedida afetuosa, como recordará o antigo ministro.
Nas semanas que se seguem, Salazar ainda aparece bem disposto e sorridente
na primeira comunhão do Antoninho. Mas perde o humor quando lhe chega
aos ouvidos uma passagem do bailado Romeu e Julieta no Coliseu dos
Recreios, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian: «Façam amor, não
façam a guerra», gritaram os bailarinos a meio de uma cena, provocando sururu
na sala.
Quando recebe a notícia, o ditador manda suspender o espetáculo e dá ordens
para que seja expulso do País o responsável pela companhia belga, Maurice
Béjart.
Por esses dias de junho, Salazar dará sinais de maior fadiga e palidez,
deixando até de registar os habituais e pormenorizados apontamentos dos seus
afazeres na agenda diária.
Os sinais de alarme disparam durante uma reunião do Conselho de Ministros

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