A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

em que «surge atmosfera de drama, atravessada em silêncio», no dizer de
Franco Nogueira. Governantes cabisbaixos, gelados pela circunstância, não
arriscam sequer trocar olhares. O «chefe» parece ausente, disserta sobre coisas
que já disse anteriormente para espanto geral. Por momentos, a memória
imediata finou-se. «Mesmas minúcias, mesmos comentários, mesma narrativa
do desenrolar dos acontecimentos, como se tudo fosse novidade». Conclui-se:
«Há uma clara perturbação mental», ainda que, na aparência, passageira.
Já em finais de maio, no Palácio da Vila, em Sintra, durante a receção ao
ministro dos Negócios Estrangeiros da Holanda, lhe tinham notado o esforço
para manter uma conversa, a impaciência, o alheamento, o ar mortiço que lhe
cobre o rosto, a tristeza infinita que deixa perceber, sem máscaras. O amigo
Costa Brochado busca explicações mais atrás, no tempo: «A seguir ao golpe
Botelho Moniz nunca mais foi o mesmo homem e aparecia, com frequência,
nos bancos de jardim, a dormitar.»
Em São Bento não se notam alterações.
É certo que Salazar anda mais cansado, percebem-se preocupações, menos
disposição para alguns assuntos quotidianos, mas pouco mais que arrelie.
Desde meados da década de 1950 que a saúde do ditador é acompanhada em
permanência. Faz análises periódicas, radiografias. Por duas vezes, gripes
ameaçam transformar-se em pneumonias. Para trás ficara a sua própria
definição sobre os males do corpo. «Tem uma saúde precária e nunca está
doente», dissera de si próprio, num dos primeiros discursos como ministro das
Finanças. Agora, para os íntimos que habitam a casa, Salazar está
simplesmente «velho» e nada mais.
Na verdade, o Presidente do Conselho voltará a reunir nessas semanas o
elenco governativo, sem que, dessa vez, se notem alterações psicológicas. Mas
a inércia da situação política é algo que traz os ministros angustiados. Espera-
se uma remodelação no Executivo, arriscam-se estratégias, intriga-se.


Salazar prepara, entretanto, a mudança de veraneio para o Forte de Santo
António do Estoril.
Eram sempre dias de grande azáfama em São Bento, antes da partida.
Uma semana de preparativos era certa, criadas acomodando roupas de cama,
vestuário, móveis e apetrechos vários, mas sem exageros: apenas os
«estritamente indispensáveis à instalação» no fortim, «monasticamente
austero», debruçado sobre o Atlântico, registara Silva Teles, secretário

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