A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

particular de Salazar à época.
Na agenda, o ditador anotara a data e a hora da saída: sexta-feira, 26 de julho
de 1968, 17 horas.
O período estival entrava pelo apreciado outono do Estoril. Salazar gostava
especialmente do repousado outubro, quase sem brisas.
Mas o primeiro dia na fortificação nem sempre era fácil para ele. O corte
com as rotinas da residência oficial abalava-o antes da descompressão. Sente o
choque «com o vento salgado e áspero do oceano» e é tomado por «palpitações
cardíacas e um estremecimento geral no organismo», dirá Franco Nogueira.
Em menos de 48 horas, estava, porém, apto a manter o trabalho.
O organismo adaptara-se a um ritmo mais pausado, o sono voltara e o
coração serenara. A sua prioridade é agora remodelar o Governo. Consultara
amigos, ouvira opiniões, testara opções.
Nos alvores de agosto, acontece no forte um misterioso acidente, sobre o
qual permanecem na penumbra as certezas sobre o dia exato da sua ocorrência,
que oscila entre 2 e 4 desse mês.
Dera-se como certo que, na manhã de 3 de agosto, Salazar, como era seu
hábito, descera do quarto ao encontro de Augusto Hilário, o calista que, desde
longa data, assiste o ditador. O pedicuro, que já o esperava no terraço, cede-lhe
o Diário de Notícias desse dia, que Salazar abre e começa a percorrer com os
olhos, abandonando o corpo numa das cadeiras de lona que por ali estão
dispostas.
Com o peso, o assento tomba para trás, e o chefe do Governo cai
desamparado, batendo com a cabeça no lajedo, de pedra dura. Augusto Hilário,
que lavava as mãos, acode de pronto, Maria de Jesus surge logo depois, mas
Salazar levanta-se sem queixas, apenas com dores no corpo. De imediato, pede
que não se comente o acidente.
Perante as insistências da governanta no sentido de chamar um médico, o
ditador dir-lhe-á não valer a pena. Espera, para breve, uma visita de rotina de
Eduardo Coelho e nessa ocasião lhe contará o sucedido.
Uma outra versão, surgida mais tarde, dá como garantido que o episódio da
queda ter-se-á dado na presença do barbeiro Manuel Marques, segundo relato
feito pelo próprio. Nesta versão, Salazar não teria sequer chegado a sentar-se na
cadeira, mas, confiando que a mesma estaria no local habitual, ter-se-á
estatelado, de forma atabalhoada, no chão.
Contra esta tese há um bilhete de Augusto Hilário, enviado a Salazar no dia
seguinte ao do acidente, que ele garante ser 3 de agosto.

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