A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

Eduardo Coelho aparece então no forte para a consulta de rotina.
O exame superficial nada deteta, mas o médico insta o Presidente do
Conselho e a governanta a avisá-lo no caso de Salazar sentir a mais ligeira dor
de cabeça, pois, avisa, tais pancadas podem ter consequências muito sérias,
sobretudo nas semanas imediatas.
Até ali, o ditador fora um doente que não oferecera precauções de monta:
tinha tendência para problemas respiratórios, gripes, insónias e acidentes
caseiros, mas nenhuma das maleitas o impedira de trabalhar num registo de
normalidade. Mais atrás no tempo, sim, haviam sofrido depressões intensas e
prolongadas. «Eu continuo na mesma – a tomar os remédios que me mandam,
mas sem melhoras sensíveis. Mas a verdade é que não sinto entusiasmo por
nada – estou morto», escrevera no verão de 1921, vaticinando um futuro negro:
«Sinto que a política me há de fazer infeliz; parece-me até que já começo a
atolar-me na lama.»
Agora, ocorrera uma queda que, em face da sua idade, merecia da medicina
toda a prudência quanto a eventuais consequências.
Por essa altura, Franco Nogueira falara com o ditador ao telefone sobre
assuntos relacionados com a Tanzânia. Salazar engana-se repetidamente no
nome do presidente daquele país africano: chama-lhe Niemeyer (conhecido
arquiteto brasileiro). «Neyerere», corrige o ministro, duas vezes. «Tem razão,
ah! esta minha cabeça», reage o chefe do Governo que, entretanto, se enganara
mais uma vez.
No espaço de dias, é a ocasião de Américo Tomás se interrogar, por fim,
sobre o estado de saúde de Salazar. Na segunda conversa desse mês com o
Chefe do Estado, a propósito da remodelação governamental em curso, o
ditador demonstra «uma persistência em determinadas soluções que não era
normal da sua parte».
Está, entretanto, de regresso Christine Garnier. De férias em Portugal,
acompanhada do marido, visita a residência de veraneio do amigo colorido de
outrora. Além de lhe ouvir os queixumes naturais de quem já suspira por uma
obra inacabada, a escritora francesa despede-se sem preocupações de maior.
Salazar passa a tarde de 18 de agosto, um domingo, na companhia de Franco
Nogueira e da esposa. O convívio a três decorre imperturbável: o chefe do
Governo não recebe visitas, o pessoal doméstico não aparece a dar recados e
estranho à conversa apenas o habitual agente da polícia que permanece na
entrada do forte.
O ditador desfruta da tarde serena e luminosa no terraço, sentado numa

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