A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

A 4 de setembro, Salazar desperta exausto.
Durante a sessão de trabalho com o subsecretário de Estado da Presidência,
Paulo Rodrigues, mal disfarça a dificuldade em ler os documentos. Tira os
óculos e leva a mão à testa. Um dos secretários particulares notara também na
agenda e nos apontamentos a letra menos firme, tremida, além de uma ou outra
falha de memória. A sua disposição é perturbada por novas, intensas e
prolongadas dores de cabeça. Mas tem na agenda desse dia reuniões com dois
ministros e assuntos que o deverão prender até às nove da noite, descartando
por isso a possibilidade de chamar o médico para avaliar os sintomas, conforme
lhe sugerira, de novo, Maria de Jesus.
No dia seguinte, ela decide desobedecer às ordens: pelas 11 horas telefona,
aflita, a Eduardo Coelho.
Chegado ao forte, o médico nota o arrastar da perna direita de Salazar, as
lacunas de memória e outras perturbações. O diagnóstico é claro: o doente tem
de ser operado, o mais tardar, nas próximas 24 horas, e disso mesmo Eduardo
Coelho se encarrega de informar o chefe do Governo. Pergunta se pode chamar
um neurocirurgião da sua confiança.
Salazar acede, mas Maria interpõe-se: «Veja lá se vem alguém que seja
contra a Situação », previne-o. «Tomo a responsabilidade», responde Eduardo
Coelho.
A primeira tentativa de encontrar alguém revela-se infrutífera.
O médico decide então contactar o neurocirurgião Vasconcelos Marques, um
dos mais reputados. Não lhe diz logo do que se trata. Fala apenas da
necessidade de ter outra opinião sobre «um doente» e tenta, apesar de tudo,
desvalorizar a gravidade do problema.
Sugere, porém, discrição.
Dada a indisponibilidade de Vasconcelos Marques nesse dia, combinam
encontrar-se na tarde do dia seguinte em casa de Eduardo Coelho. Antes disso,
o Presidente do Conselho ainda receberá no Estoril telefonemas que, em
circunstâncias normais, costumavam diverti-lo: são amigos e amigas a dar-lhe
pormenores da festa de Pierre Schumberguer e a pedir a «bênção» do ditador
para se deslocarem também ao baile do «rei do estanho» boliviano, Antenor
Patiño. Adivinha-se a repetição do brilho de nova noite de luxo, smokings ,
vestidos arrojados – 117 da marca Dior – e joias a condizer, eventos para os
quais os ourives de Lisboa, nessas semanas, não tiveram mãos a medir. Falara-

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