A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

Lollobrigida, Henry Ford, Douglas Fairbanks, o rei Humberto, vários
Rockefeller, também alguns Rotchsild, imperadores e imperatrizes, a nata do
planeta, enfim, a desaguar na capital portuguesa.
A primeira festa decorre na noite de 3 de setembro, na Quinta do Vinagre,
para 1400 convidados. Arrasta 700 automóveis à propriedade do norte-
americano Pierre Schlumberger, «passaporte francês, petróleo americano e
mulher portuguesa», assinala a revista Flama.
Horas antes, ao final da tarde, inicia-se uma reunião do Conselho de
Ministros, a primeira do novo Governo, que se tornará reveladora para os mais
próximos da gravidade do estado de saúde de Salazar. Antes disso, o antigo
professor de Finanças despacha assuntos pendentes com um dos seus
secretários particulares. Este estranha que Salazar desconheça a ausência do
ministro da Economia no estrangeiro, mas não tira especiais conclusões do
lapso de memória.
Já na reunião, é indisfarçável para os presentes o cansaço e a «palidez
doentia» que o ditador aparenta.
Terminado o Conselho, Salazar não controla a curiosidade: quer saber
novidades do baile de Schlumberger. Interroga várias pessoas, deseja
pormenores, o mais minuciosos possível. Mas sai curvado, encolhido,
contraído, carregando papéis, arrastando-se, quase trôpego, com lentidão e
penoso esforço.
Pessoalmente, dera instruções quanto ao desagrado com que veria a presença
de ministros e suas mulheres nas festas que se avizinhavam. Temia que o
deslumbramento e as aparências transmitam a ideia de que o Estado português
era permeável às influências da grande finança internacional e das vedetas
reluzentes com gosto pelos prazeres fúteis.
Há ainda que manter alguma decência numa nação que vive dias dramáticos
por causa de uma guerra travada longe, nas colónias.
A mensagem também passara entre portas: Maria, que até desencantara um
convite para se estrear nas lides dos ricos e famosos, fora aconselhada a recuar
e a manter-se no seu posto.
Alguns notáveis do Governo acabaram por refrear o ímpeto, outros não
fizeram caso, dispondo da ocasião única para mergulhar no evento
cosmopolita. A ausência era irrelevância. «Todos querem ser convidados. Há
intrigas, empenhos, pedidos, invejas, despeitos; e muitos portugueses sôfregos
rastejam em abjeção provinciana, curvados ao estrangeiro», registara,
indignado, o ministro Franco Nogueira.

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