A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

VII


«A luz apaga-se devagarinho...»


São sete horas da manhã de 7 de setembro de 1968.
Franco Nogueira é acordado pelo tinir do telefone oficial. Do outro lado da
linha, o ministro de Estado Mota Veiga anuncia que Salazar foi operado
durante a madrugada a um hematoma no cérebro na Casa de Saúde da Cruz
Vermelha.
A Emissora Nacional noticia o assunto duas horas depois, já na posse do
boletim médico que o subsecretário Paulo Rodrigues entregara bem cedo ao
locutor Pedro Moutinho, que o lê aos microfones de forma serena: «Em
consequência de uma queda na sua residência de verão no Estoril, o senhor
Presidente do Conselho apresentou sintomas que levaram o seu médico
assistente a recorrer à colaboração de dois colegas neurocirurgiões. Sua
Excelência foi operado esta noite a um hematoma, sob anestesia local,
encontrando-se bem.»
Na rua, escutam-se os pregões dos ardinas, com O Século na mão, o único
jornal que, graças à persistência do seu repórter, «furara» a notícia.
No Forte de Santo António, Rosália a as restantes empregadas iniciam o
arrumo das roupas e tralhas trazidas de São Bento. O período estival,
interrompido abruptamente, já lá vai, e antecipa-se o regresso à residência
oficial, à Calçada da Estrela.
No hospital, àquela hora da manhã, não se encontra qualquer membro do
Governo. Maria, essa sim, aí permanece, velando pelo único homem da sua
vida. Franco Nogueira dá com ela «comovida a mais não poder» e num estado
«em que se suspenderam as faculdades mentais».
O sexto andar está agora todo ele reservado para gabinetes médicos de
acompanhamento ao doente, entidades oficiais, segurança e, claro, um quarto
para a eterna governanta de Salazar, o 81.

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