A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

O jornalista orienta, pois, a conversa nesse sentido. Quer saber até que ponto
Salazar dirigiu os assuntos de Estado durante a doença, se todos os ministros
lhe dão conta da marcha do Governo, se lhes dá todas as diretivas, se reúne ali
o Conselho de Ministros, se escolheu todos os membros do Executivo e o que
faria se algum se desviasse da política definida.
O doente responde sem hesitações.
Reconhecendo não estar completamente restabelecido, a sua única
preocupação é a de «conservar força suficiente» para continuar nas funções que
desempenha. Confirma continuar a receber os ministros nos jardins de São
Bento – «é mais agradável» – garante que todos lhe prestam contas do
andamento da governação e que as decisões se tomam, de forma coletiva e não
por imposição sua, no Conselho de Ministros. Quem faltasse aos seus deveres
ou alterasse as políticas definidas, teria o seu destino traçado, assegura o
entrevistado, ensaiando um gesto negligente com a mão direita.
Os minutos escasseiam.
Roland Faure está há quase uma hora a tentar arrastar o antigo chefe do
Governo para o terreno onde se possam dissipar todas as dúvidas e rumores.
Em desespero, arrisca uma última pergunta, movediça, daquelas que fazem
deslizar o compromisso a que dera a sua palavra. «Desde há algum tempo que
se fala muito de um dos seus antigos ministros, Marcello Caetano. Que pensa
dele?», interroga.
Passam dez segundos de silêncio que parecem uma eternidade.
Salazar põe um rosto sério. Responde: «Conheço-o bem. Foi várias vezes
meu ministro e aprecio-o. Ele gosta do poder: não para retirar quaisquer
benefícios pessoais ou para a família, é muito honesto. Mas gosta do poder pelo
poder. Para ter a impressão exaltante de deixar a sua marca nos
acontecimentos», afirma o ditador, sem perder o fôlego: «É inteligente e tem
autoridade, mas está errado em não querer trabalhar connosco no Governo.
Porque, como sabe, ele não faz parte do Governo. Continua a ensinar Direito
na universidade e escreve-me, às vezes, a dizer-me o que pensa das minhas
iniciativas. Nem sempre as aprova – e tem a coragem de mo dizer. Admiro a
sua coragem. Mas parece não compreender que, para agir com eficácia, para ter
peso sobre os acontecimentos, é preciso estar no Governo.»
O jornalista francês fica em choque, incrédulo.
Estava ainda a digerir a resposta de Salazar quando a governanta aparece,
pondo termo à entrevista. O «senhor doutor» tinha duas senhoras à espera e
Roland Faure dispunha apenas de alguns segundos para as despedidas. Assim

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