A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

com o passamento, sem poder libertar as comportas de tanta raiva acumulada.


E depois do adeus?
Removido o fantasma que condicionara a plenitude do marcelismo e
expirado o prazo de recolhimento e luto, o Presidente do Conselho decidira não
tolerar mais a presença de Maria e das criadas no palacete de São Bento,
incitando-as a procurar outro poiso. Uma semana, no máximo, foi o tempo
destinado por Marcello Caetano para que a residência oficial ficasse vaga de
tralhas e gente, embora haja versões que apontem para um prazo mais apertado:
48 horas.
Certo é que Maria recebeu o ultimato como uma pancada forte, chocada e
sentindo-se ultrajada. A eterna companheira de Salazar nunca se convencera de
que a morte do «senhor doutor» arrastaria a sua própria insignificância até à
porta de saída da moradia da Calçada da Estrela. «Ela ficou muito revoltada,
fartou-se de chorar, não acreditava que fosse possível», conta Rosália.
«Tivemos de andar a fazer as coisas à pressa, a arrumarmos os nossos
pertences. Eu, ao fim de três dias, já tinha as malas feitas. Tivemos de tratar da
nossa vida. O que era do senhor doutor, ficou lá», conta Rosália.
Maria de Jesus lamentava às amigas e senhoras conhecidas a afronta da
ordem de despejo. Ainda tentou, por artes que só ela soube, fazer saber a
Marcello Caetano que era curto o tempo de que dispunha para entregar as
chaves da residência que habitara grande parte da sua vida, mas o novo líder do
Governo mostrou-se irredutível. «Ela nem casa tinha», lembra Rosália. «Estava
doente, tinha comprado um apartamento em Benfica, mas ainda não estava
pronto e não sabia para onde se virar. Recordo-me bem do dia da saída. Foi
uma despedida debaixo de choro.»
Micas, que com ela mantivera sempre uma relação conflituosa, convidou-a
para viver na sua casa, até que as obras do seu andar em Benfica ficassem
prontas.
Famílias da burguesia lisboeta, habituais visitas da moradia de São Bento e
beatas do salazarismo, ofereceram-lhe guarida. A governanta, porém, aceitaria
o convite do dono da Fundição de Oeiras, que já então vivia a maior parte do
tempo em Paris com a esposa, para se instalar na sua vivenda da família no
Linhó. A estadia em casa emprestada prolongou-se apenas por alguns meses,
até que Maria pôde, finalmente, habitar o apartamento em Benfica, que
comprara com a ajuda de senhoras amigas e da família Espírito Santo e

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