A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

IV


Senhoras, cartas e o António delas


A lenda de um Salazar castrado nos afetos, entregue apenas a amores
contemplativos, mumificado de sentimentos e emoções eróticas, deve pouco ou
nada à realidade. Para demonstrá-lo, nem sequer seria preciso recuar às
fagulhas da mocidade. Bastaria uma frase dele: «Há certamente santos entre os
homens, mas os homens não são santos.»
Castro e Silva, em tempos comandante da escolta pessoal do Presidente do
Conselho, confessara certo dia ao secretário-geral da Assembleia Nacional,
Costa Brochado, que nada preocupava mais a polícia do que «defender Salazar
das mulheres e das suas fugas secretas».
Contavam-se até historietas sobre as saídas noturnas do ditador, após o jantar
e «sem dar cavaco a ninguém», lançando o pânico nos serviços de segurança
durante horas e sem que alguém soubesse onde ele tinha ido...
Mas isso era no tempo em que o vigor físico do «patrão» ainda permitia
aventuras de tal calibre.
Provocadora, a francesa Garnier ouvira dizer que não suportava as mulheres
e lançou-lhe a dúvida. «Serão talvez as mulheres que me recusei a receber que
me arranjaram essa reputação», dirá ele, rindo.
Desde o Seminário de Viseu que Salazar sentira as pulsões românticas, à
época direcionadas para Felismina, uma professora primária com que manterá
«intimidade secreta» ao longo de anos, sempre com «mil precauções», às
ocultas, por vezes de noite.
Ela, mesmo arriscando muito a moldura recatada que ambos exibiam, irá
visitá-lo com frequência no seminário e, já na velhice de ambos, o chefe do
Governo corresponderá com visitas regulares ao primeiro amor, então já viúva
e com um filho. Não o fará apenas por razões sentimentais: Felismina fora,
além de tudo, uma das suas principais informadoras no distrito de Viseu. Dela

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