A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

aquela dama bela, elegante e de pergaminhos.
«Salazar vai-se embora!», ouvira o então ministro Marcello Caetano.
Em Luanda, um jornal da tarde dera a cerimónia privada por consumada,
mas, apesar do «sobressalto dos amigos, o entusiasmo dos adversários, a
hesitação dos tíbios», mais uma vez não era verdade.
O romance, apesar dos duradouros arrebatamentos epistolares e telefónicos,
terminaria em poucos anos. «Creio que houve entre eles verdadeiro amor»,
reconhecerá Marcello Caetano.
Seria, pois, a escritora francesa agitada, urbana e febril, a última esperança de
resgatar Salazar rural da concha protetora dos que se consideram predestinados
para tarefas maiores do que cuidar de si próprios. Poderia o chefe do Governo
esboçar o seu final feliz, harmonioso, em família, dentro dos cânones do
regime?
Quando conhece Garnier, o Presidente do Conselho ainda tem idade para
disfarçar a fadiga, a falta de viço, de ânimo, mas a sua existência entrou já na
fase crepuscular.
O longo convívio com a francesa, entre Lisboa e o Vimieiro, não irá alterar a
ideia que Salazar tem da felicidade: segundo ele, atingia-se mais depressa pela
renúncia do que pela posse.
Um pormenor: várias das mulheres que conviveram com Salazar de forma
mais íntima estiveram sempre disponíveis para outro tipo de préstimos.
Além da destemida Felismina, que a dada altura pede ao ditador que a deixe
«ser perigosíssima» na perseguição e denúncia dos adversários, também Maria
Emília Vieira, astróloga e bailarina, lhe fornece informações preciosas.
Carolina, enfarinhada nas nobrezas e diplomacias, contribuiu para abrir
canais de comunicação entre Lisboa e Londres em plena Segunda Guerra
Mundial.
Garnier mostra, no seu livro, um Salazar simpático ao mundo, mais dócil e
menos sombrio. Prostituiu-se, insinuará então Henrique Galvão, capitão que
passara de ferrenho salazarista à prisão, por conspirar contra a ditadura.
Numa carta aberta escrita na cadeia – ironicamente intitulada Férias... sem
Salazar
– Galvão acusara a romancista francesa de se ter tornado, sem
escrúpulos, «mera agente de publicidade de um homem e de um regime
totalitário». Na análise mordaz do militar, Garnier deixara-se seduzir pelo
Grande Hotel de Salazar, destinado a «hospedar» e aliciar estrangeiros que
pagassem as suas estadias em Portugal com prosas panegíricas.
Na verdade, a escritora trouxera credenciais que o regime, além de tudo,

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