A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

apreciava: Garnier pertencia à sinistra União dos Intelectuais Independentes,
uma organização com forte pendor extremista de direita, defensora da amnistia
dos colaboracionistas franceses com o regime pró-nazista de Vichy.
Outras mulheres da intimidade de Salazar tinham um currículo mais
corriqueiro.
Mercedes Feijó, nascida na Suécia e refugiada em Portugal, proporciona-lhe
uma visão do mundo retirada das suas inúmeras viagens, que o ditador
agradece «do coração».
Ao rol de diligentes servidoras, juntava-se a própria governanta que lhe gere
a casa, fazendo chegar ao seu ouvido todas as inconveniências e inconfidências
que ajudassem o seu amo a precaver-se de perigos, amizades traiçoeiras e
ambições desmedidas.


No início de 1968, contudo, sobram dos romances e galanteios pequenas
memórias, escombros emocionais... e algumas cartas.
Salazar aproxima-se a passos largos dos 80 anos, mas a São Bento ainda
chega correspondência íntima, dedicatórias amorosas e suspiros em letra
redonda, saudosos do que podia ter sido e não foi.
Nem por isso o ditador se deixa enredar em secretismos. Por delicadeza, os
secretários dos últimos anos de vida do Presidente do Conselho abriam na
presença dele «e entregavam-lhe, diretamente, sem as ler, algumas cartas de
personalidades que lhe eram mais caras. Mas nunca o Dr. Salazar deu
instruções para que certa correspondência não fosse aberta», assegurará Silva
Teles, um desses colaboradores.
O ditador vive ainda rodeado de admiradoras, que o visitam.
Mantinha esse prazer na convivência feminina, mimando as amizades com
pequenas atenções, bombons e flores, «sempre com requintes de
sensibilidade», no dizer de Marcello Caetano.
Maria suportava em silêncio estas adorações, digerindo décadas de ciúmes,
invejas e tristezas. Mas mantinha perto dela, sem azedume, madames que
também lhe interessavam para gerir favores e influências. Por vezes,
organizava os tais chás para senhoras da alta sociedade lisboeta no palacete,
sem que o chefe do Governo estivesse presente, ainda que andasse por perto, a
rondar, à cata de uma ou outra coscuvilhice, de que também gostava.
Mas quem, no seu perfeito juízo, poderia dizer que a governanta não era
obrigada a restringir-se ao lugar que ocupava na vida do ditador?

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